quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Poema de Natal (Vinicius de Moraes)

Fotografia de Dal Nunes



POEMA DE NATAL

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes 



quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

"Na véspera de nada..." (Fernando Pessoa)





Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa
Se esquece quem lá está.

Fernando Pessoa 

11-10-1934

Poesias Inéditas (1930-1935)



segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Tempo (Miguel Torga)





TEMPO

Tempo — definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.

Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado,
Amargura maior, fotografada.

Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!

Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia!

Miguel Torga


Cântico do Homem (Coimbra, 1950)



terça-feira, 13 de dezembro de 2016

"Como uma criança antes de a ensinarem a ser grande..." (Caeiro / Pessoa)

Fotografia de Eduardo Hanazaki



Como uma criança antes de a ensinarem a ser grande,
Fui verdadeiro e leal ao que vi e ouvi.

Alberto Caeiro / Fernando Pessoa






sábado, 10 de dezembro de 2016

Felicidade Clandestina (Clarice Lispector)



Felicidade clandestina conta uma passagem do início da adolescência da autora, Clarice Lispector. Ja foi publicada aqui no blogue. Voltamos a publicar e acompanhamos agora desta versão monologada em vídeo. Uma obra-prima desta grande autora brasileira. Ela nasceu a 20 de dezembro de 1920 em Chechelnyk, na Ucrânia.


FELICIDADE  CLANDESTINA

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim um tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E, completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do “dia seguinte” com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: “E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais do que me dar o livro: “pelo tempo que eu quisesse” é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Clarice Lispector


Publicado pela primeira vez em 1971, Felicidade clandestina é um livro que reúne 25 contos da escritora brasileira Clarice Lispector - alguns já publicados anteriormente - sendo também o título do primeiro conto.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Ulisses a Nausícaa (David Mourão-Ferreira)

Ulisses e Nausicaa, de Jacob Jordaens (1630-1635)



Ulisses a Nausícaa

Não tinha sido fábula a saudade
de estar ao pé de mim sem estar comigo:
vejo-te agora em água, areia, carne,
e és o vulto no sonho pressentido!

Cheiro de rocha a que não chega o mar,
por mais que o mar invente marés vivas...
Reconheço-te, ó palma tão sem par;
és a graça da terra ao céu erguida.

Pisas, ao caminhar, o próprio vento,
que se embuçou no manto de uma duna...
Desfazes sob os pés os grãos do tempo

por do Tempo não teres noção nenhuma...
De que me serve ter vencido sempre,
se aqui me vence a tua juventude?

David Mourão-Ferreira


sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Poesia visual (E. M. de Melo e Castro)




E. M. de Melo e Castro, nome literário de Ernesto Manuel Geraldes de Melo e Castro (Covilhã, 1932) é um engenheiro, poeta, ensaísta, escritor e artista plástico português.

Figura multifacetada, autor de uma obra caracterizada pela construção de experiências com vários materiais e vários média, a ação de E. M. de Melo e Castro foi particularmente marcante na emergência da poesia experimental em Portugal

(Wikipédia)

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Divertimento com sinais ortográficos (Alexandre O'Neill)



Pequena apresentação com "Divertimento com sinais ortográficos", do livro Poesias Completas 1951/1983, de Alexandre O'Neil.








segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Tomamos a vila depois de um intenso bombardeamento (Fernando Pessoa)



TOMAMOS A VILA DEPOIS DE UM INTENSO BOMBARDEAMENTO

A criança loura
Jaz no meio da rua.
Tem as tripas de fora
E por uma corda sua
Um comboio que ignora.

A cara está um feixe
De sangue e de nada.
Luz um pequeno peixe
— Dos que bóiam nas banheiras —
À beira da estrada.

Cai sobre a estrada o escuro.
Longe, ainda uma luz doura
A criação do futuro...

E o da criança loura?

Fernando Pessoa 



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Cantiga (Manuel Bandeira)




CANTIGA

Nas ondas da praia
Nas ondas do mar
Quero ser feliz
Quero me afogar.

Nas ondas da praia
Quem vem me beijar?
Quero a estrela-d'alva
Rainha do mar.

Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar.

Manuel Bandeira



Ilustração de Heitor Isoda


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O que dizem os abraços (José Luís Peixoto)



Juntar as pontas dos ombros e dar algumas palmadinhas nas costas não é um abraço. Escrever "abraço" no fim de um e-mail também não é um abraço. Indiferente ao desenvolvimento social e tecnológico, um abraço continua a ser duas pessoas que se juntam e se apertam uma de encontro à outra.

Esses rapazes que aparecem com cartazes a oferecerem abraços nos festivais de verão têm graça e talvez sejam bem-intencionados, mas fazem publicidade enganosa. Não são os abraços que provocam as ligações, são as ligações que provocam os abraços. Um abraço não é apenas duas pessoas que se juntam e se apertam uma de encontro à outra.

Um abraço tem muita importância.

Quando eu era uma criança, teria talvez uns nove ou dez anos, o meu pai deu-me um abraço na cozinha da nossa casa. Era de madrugada porque essa era a hora em que, naquele tempo, se saía da minha terra quando se ia para Lisboa. O meu pai tinha uma operação marcada no hospital, estava vestido com as roupas novas e tinha medo. Enquanto me abraçava, o meu pai chorou porque, durante um momento, acreditou que podia nunca mais me ver. Os braços do meu pai passavam-me pelos ombros, a minha cabeça assentava-lhe na barriga, sobre o pullover. A lâmpada que tínhamos acesa por cima da cabeça espalhava uma luz que amarelecia tudo o que tocava: a mesa onde jantávamos todos os dias, o ar que ali respirámos em tantas horas anteriores àquela, em tantas horas ignorantes daquela. O meu pai usava um aftershave muito enjoativo, barato, que alguém lhe tinha oferecido no Natal. Agora mesmo, consigo ainda sentir esse cheiro com nitidez absoluta.

A operação correu bem. Depois do susto, depois da convalescença, o meu pai voltou para casa com uma cicatriz grossa e roxa na barriga, ficava à vista quando a camisa lhe saía para fora das calças ou na praia, apesar de usar os calções exageradamente puxados para cima. Depois disso, tivemos direito a nove anos em que não voltámos a pensar em despedidas.s

Durante muito tempo procurei em toda a minha memória: as lembranças de quando regressou da operação ou, depois, quando tínhamos a mesma altura ou, mesmo depois, quando ficou doente pela última vez. Mas abandonei as buscas, não consigo recordar outra ocasião em que nos tenhamos voltado a abraçar. Essa madrugada na cozinha, a luz amarela, o aftershave, foi a única vez em que nos abraçámos na vida.

Não afirmo com leveza que um abraço tem muita importância. Há quinze anos que escrevo livros apenas sobre esse abraço.


José Luís Peixoto, in Notícias Magazine, 22 de novembro de 2015


segunda-feira, 7 de novembro de 2016

José Eduardo Agualusa, "Angolano, cidadão do mundo"



Em 21 de outubro de 2011 foi publicada na revista brasileira Forum uma entrevista com o escritor angolano José Eduardo Agualusa. Encontrei-a por acaso e cá está.



Angolano, cidadão do mundo

O romancista José Eduardo Agualusa ataca o nacionalismo literário e defende o seu direito de escrever sobre qualquer lugar do planet.

(...)

O escritor ficou mais conhecido no Brasil depois de participar do II Festival Literário Internacional de Paraty (em julho de 2004) ao lado de Caetano Veloso na mesa-redonda “África e Brasil: Verdades Tropicais”. Agualusa foi o escritor mais vendido na livraria oficial do evento durante os seus cinco dias de duração. Sua obra evidencia a miscigenação não apenas étnica mas principalmente cultural, que continua ocorrendo nos países de colonização portuguesa, porém não fica restrita a esse tema. “Antes de ser cidadão angolano, sou cidadão do mundo e tenho o direito de escrever sobre o mundo inteiro”, diz, nesta entrevista à Fórum, o autor de doze livros já traduzidos em oito línguas.

Descendente de brasileiros e portugueses, Agualusa mudou-se para o Brasil em 1998 e viveu em Olinda e no Rio de Janeiro. Hoje, com 50 anos, se divide entre Luanda e Lisboa, onde é correspondente do jornal Público e da RDP-África (estação de rádio estatal portuguesa).

Sua família é portuguesa do lado materno e brasileira do lado paterno. Você nasceu na África, mas não tem ascendência angolana? Não. Eu tenho é descendência angolana. Sou um afro-ascendente. Tenho família de muitas cores, graças a Deus. Odeio a uniformidade [Agualusa é casado e tem dois filhos nascidos em Angola]. Vivi toda a minha infância e boa parte da minha adolescência na cidade de Huambo, no planalto central de Angola. Depois fui estudar Agronomia e Silvicultura em Lisboa.

A independência de Angola aconteceu durante a sua adolescência (1975). Que lembranças você guarda dos conflitos? Teve algum contato com o Movimento Popular para Libertação de Angola (MPLA)? Com o MPLA, não. Tive contatos com grupos ligados à esquerda angolana, designadamente a Organização Comunista de Angola, muito próxima do partido comunista brasileiro, cujos elementos foram na sua maioria presos, e alguns sujeitos à tortura, imediatamente após a independência — quando o MPLA tomou o poder. Se você ler Estação das Chuvas (romance publicado por Agualusa em 1997) compreenderá melhor todo esse processo. Os militantes de esquerda só foram soltos após a morte de Agostinho Neto e depois que o presidente José Eduardo dos Santos conseguiu consolidar o seu poder, ou seja, em 1980.

Suas narrativas têm cenários como Angola, Portugal, Brasil, Goa e Argentina. Na sua opinião, o ponto de partida da ficção é a realidade ou a criação prescinde da experiência prática? Normalmente parto da realidade. Alguns dos meus romances estão muito próximos do jornalismo, ou, pelo menos, exigiram de mim uma pesquisa sobre a atualidade, à maneira de um jornalista. Contudo, o meu último romance, O Vendedor de Passados, é pura ficção.

Alejo Carpentier falou da dificuldade dos artistas latino-americanos assumirem a própria cultura, o que os faz importar padrões estéticos europeus em vez de valorizar a linguagem de seus países. Como é isso com os escritores africanos? Acontece. Mas também acontece o inverso — um excessivo nacionalismo literário que pode empobrecer nossas literaturas. Não gosto de nacionalismo. O nacionalismo conduz quase sempre ao fascismo. Antes de ser cidadão angolano, sou cidadão do mundo e tenho o direito de escrever sobre o mundo inteiro e de ler e ser influenciado pelos grandes escritores. Há uma armadilha racista que pressupõe que o escritor africano só pode escrever sobre o seu quintal; caso contrário é alienado, enquanto que um escritor europeu pode escrever sobre África e até lhe fica bem — demonstra abertura pela cultura do outro. Isso pode ser resumido assim: aos brancos, o mundo inteiro; aos negros, o quintal.

É feita alguma modificação na linguagem ou na ortografia de seus livros para o lançamento no Brasil devido às diferenças entre o chamado “português brasileiro” e o de Angola? Os livros são publicados com a ortografia brasileira. Isso não tem rigorosamente nada que ver com a linguagem. Neste último livro, Manual Prático de Levitação, uma edição especial para o Brasil, eu mesmo fiz algumas ligeiras adaptações para o português brasileiro.

E o que poderia ser feito para aumentar o reconhecimento da cultura lusófona, prejudicada pelo fato de a língua portuguesa ser pouco falada no mundo se comparada ao francês, o inglês e o espanhol, por exemplo? Sim, é um constrangimento. Deveria haver mais apoios às traduções. Acho inconcebível que um país com a dimensão do Brasil não possua nenhuma instituição equivalente ao Instituto Camões, ao Instituto Goethe, à Aliança Francesa etc.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa cumpre esse papel, já que, entre seus objetivos, está o de estimular a cooperação cultural e a promoção da língua portuguesa? Não. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa está adormecida. Infelizmente é um excelente projeto, criado por um brasileiro, o embaixador José Aparecido de Oliveira, que começou muito mal.

Você é a favor de se criarem padrões únicos para as variantes da língua portuguesa faladas nos diferentes países lusófonos? Acho importante unificar a ortografia como forma de promover e afirmar a língua portuguesa internacionalmente. Enquanto existirem duas ortografias, será sempre difícil a língua portuguesa ser aceita como organismo de trabalho em organizações internacionais. Além disso, uma ortografia unificada facilitaria a circulação dos livros no espaço lusófono.





quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Criminosos de fraldas (Manuel António Pina)




CRIMINOSOS DE FRALDAS

Por algum motivo, uma das coisas que recordo das tardes de catequese do padre Janela é o “Acto de Contrição”. Apesar disso, e do admirável sucesso que por aí têm os arrependidos disto e daquilo, nunca fui dado ao arrependimento. Nem quando, aos 4 anos de idade, destravei o carro do pintor Túlio Vitorino, estacionado à porta de nossa casa e ele se espatifou contra a cerca do hospital, ou quando, pouco depois, destruí o relógio de meu pai para ver como funcionava. Talvez por ser fraco de pulmões, doía-me bater com a mão no peito, além de que me parecia inútil prometer “firmemente emendar-me” quando não tinha intenção alguma de o fazer. Descubro agora, por uma notícia do “Daily Mail”, que a minha sorte foi não ter nascido inglês: “A polícia da Grã-Bretanha investiga um menino de 3 anos por desordem e vandalismo (…). Um relatório da Polícia da Escócia revela outro caso envolvendo um menino de 3 anos, suspeito de vandalismo e comportamento indecente”. No que me toca, sem a atenuante do arrependimento, a história do carro e a do relógio (mais todas as que minha mãe contava) davam as galés pela certa.

Manuel António Pina


Publicado no Jornal de Notícias, 22 Sep 2009


Crónica, saudade da literatura. 1984-2012 (Manuel António Pina), Assírio & Alvim, 1ª edição, 2013.




segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Memória (Carlos Drummond de Andrade)



Como cada 31 de outubro, cá estamos com uma poesia de Carlos Drummond de Andrade, como muitos amantes da poesia no mundo da língua portuguesa. Hoje é o Dia D, de Drummond, que foi proposta do Instituto Moreira Salles.

E também lemos Drummond no resto do ano, claro.


MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O humor é uma arte (Luís Valente Rosa)



O humor é uma arte

Vi no outro dia, na televisão, uma reportagem sobre o humor, que incluía um conjunto de entrevistas a alguns grandes humoristas cá do burgo. E fiquei com esta dúvida: será que existem regras estruturantes que podem definir o conceito de humor e identificar o grande humor?

Penso que o primeiro contacto que tive com o verdadeiro humor, neste caso britânico, foi quando vi a Mary Poppins. Retive sobretudo um curto diálogo do filme em que o limpa-chaminés diz: "conheci um homem, com uma perna de pau, de nome Smith." Pergunta o miúdo: "como se chamava a outra perna?"

O meu segundo contacto relevante com o grande humor aconteceu com os Monty Python. Deles, vou aqui apenas recordar uma cena: no início do filme sobre o "Graal", vêem-se cavaleiros ao longe na névoa e ouve-se o galope dos cavalos; assim que se aproximam, percebemos que vinham sem cavalos, a saltitar imitando o movimento sobre a sela e a bater com duas metades de coco nas mãos para imitar as patadas inexistentes.

O terceiro contacto que é imperioso referir dá-se com o Herman, o rosto do humor mais genial que Portugal alguma vez conheceu. É impossível recordar todos os grandes momentos de diversão que lhe devo, mas realço - nem sei bem porquê - um número em que fazia de cirurgião maluco, a tirar órgãos da barriga do doente e a atirá-los ao ar (aos quais chamava "excrecências lapidoláticas), enquanto cantava uma canção totalmente disparatada em espanhol: "hoje voy a passar por el camino berde".

Pergunto: que há de comum nestes três grandes exemplos (mesmo que a memória me atraiçoe um pouco)? Qual é, para mim, a lógica interna que estrutura estes momentos de génio e que pode explicar a essência do grande humor?

Depois de alguma reflexão, cheguei a uma conclusão surpreendente: o que caracteriza o supremo do humor é o mesmo que caracteriza o supremo da arte.

Em primeiro lugar, o desenraizamento que nos projecta na irrealidade. Por outras palavras, a recusa de uma qualquer concretização. Como se de uma ficção se tratasse. Tem, por isso, uma dimensão abstracta, não redutível a um indivíduo, a uma situação, a um tempo ou a um espaço específicos. Como a grande arte, o grande humor deve ser universal e intemporal.

Em segundo lugar, também nos projecta, como a arte, num "mundo outro", não compreensível através das regras do nosso mundo vivencial. Muitas vezes, dizemos que se trata de uma ficção "maluca" - o "maluco" é, por excelência, aquele que não vive em função das regras adoptadas pelos outros. É daqui que sai, na minha opinião, a ideia do absurdo, do "nonsense", característica fundamental do grande humor (mesmo não britânico).

Para dar um exemplo, é por fugir a estas regras, e contrariar estas duas características fundamentais, que o humor que se faz em relação a uma pessoa em concreto (como acontece na piada política) não tem normalmente graça nenhuma.

O que provoca o riso profundo é, então, o contraste dilacerante entre o nosso pequeno e comprimido mundo real e a sua transfiguração num outro mundo, paralelo e semelhante, mas que nos surge estranho, por via de uma desmesura de irrealidade e de liberdade nas regras de funcionamento. Tal como se existisse uma possibilidade de vida alternativa numa outra dimensão totalmente livre, apenas limitada pela nossa imaginação.

Termino lamentando o facto de o humor não aparecer na lista das artes. Começaram por ser 6, depois veio o cinema - que tantas vezes não é uma arte mas um "voyeurismo" de vidas alheias que contraria as duas regras atrás enunciadas - e hoje já existe referência em relação a 11 ou 12 artes. Até a culinária já aparece mencionada. É altamente injusto. Não quero terminar mesmo sem fazer uma referência ao Ricardo Araújo Pereira e, como exemplo, ao enorme humor desse seu "a minha vida dava um filme indiano".

Luís Valente Rosa

Após 20 anos de ensino universitário, especializado em Metodologia para as Ciências Sociais e Estatística, e 20 anos de estudos de mercado, sondagens e previsões eleitorais, dedica-se hoje à escrita e ao projecto Social Data Lab, laboratório de investigação social.


Publicado na revista Visão (31.08.2015)


segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O sal da língua (Eugénio de Andrade)

 Eugénio de Andrade, por José Viana




O SAL DA LÍNGUA

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

Eugénio de Andrade




quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A postos para novos impostos… (Pedro Rolo Duarte)



A postos para novos impostos…


Há dezenas de anos que sucessivos Governos “inventam” impostos indirectos, que fazem de conta que não são connosco - mas no fim pagamos, que remédio, e a vida segue. A “Geringonça”, que já fez um ano e provou que afinal podia funcionar, mesmo que em modo “tem-te não caias”, anda agora às voltas com o Orçamento, e o primeiro-ministro António Costa preveniu a populaça, via jornal Público, que não é improvável que alguns impostos indirectos venham a ser criados para cumprir as metas a que a Europa nos obriga.

Estava a ler a coisa - nomeadamente a ideia do imposto sobre o açúcar, com o pressuposto de que se trata de um bem para a saúde pública… - e imaginei uma start-up, tive um laivo de empreendedorismo: criar uma empresa para a invenção de novos impostos!

Tratava-se de um negócio supra-partidário, que funcionaria como as empresas de comunicação. Assim chegasse cliente, assim faríamos fato à medida. Disponível para inventar, recriar, fazer renascer ou apenas implementar toda a espécie de novos impostos indirectos. O cliente determinaria se seriam mais ou menos indolores, discretos, escondidos, fingidos ou descarados. Estaríamos aqui para servir!

Num ápice, inventei cinco novas taxas, cobranças e impostos que, com jeitinho, ainda vão a tempo de servir a “Geringonça” (gratuitamente, nesta fase de “lançamento” da empresa que estou a pensar abrir). A saber…

Um. Imposto sobre o animal domestico - Sendo certo que a existência de um animal em casa pressupõe determinados custos para a comunidade, seja o cocó que alguns se esquecem de apanhar ou o latido nocturno que incomoda, não falando nos pêlos que pairam pelo ar e podem fazer crescer as doenças respiratórias (logo, os custos do Serviço Nacional de Saúde), uma pequena taxa anual por cada animal de companhia não custa nada e serve todos…

Dois. Taxa pela utilização dos passeios para correr - A moda das corridas parece instalada. Nada contra. Mas talvez o Governo pudesse obrigar as empresas que vendem ténis a cobrar uma taxa (10%?) sobre o preço de venda das sapatilhas, que reverteria para a manutenção dos passeios e cobria alguns acidentes que a correria possa provocar nos atletas.

Três. Taxa sobre o gelo na restauração - A transformação da água em gelo para bebidas, nos bares e restaurantes, reflecte um consumo de energia que não deve passar em claro. Cobrar meia-dúzia de cêntimos pelo gelo consumido parece-me razoável.

Quatro. Imposto sobre o ruído nos jogos de futebol (em caso de golo) - Um pequeno estipendio pelo ruído provocado pelos adeptos, sempre que há um golo num jogo das duas ligas principais. Pode ser imputado ao clube, que por sua vez decide se o faz recair sobre os sócios…

Cinco. Taxa sobre a permanência em esplanada - É de elementar justiça que o cliente de uma esplanada pague sobre o ar que respira, a vista de que usufrui, e o ambiente que lhe é concedido. Independentemente de se tratar de uma rua de Chelas ou de um bar à beira Tejo, seria uma taxa justa.

Em escassos minutos, cinco impostos indirectos. Digam-me lá se não é um negócio útil e com futuro? E ainda dizem que Portugal é um país com falta de oportunidades…

Pedro Rolo Duarte
 
(Tempos Modernos, blogue de Pedro Rolo Duarte)


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O meu preço (José Craveirinha )

Crianças moçambicanas (Blogue Beijo de mulata)



O MEU PREÇO

Eu cidadão anónimo
do País que mais amo sem dizer o nome
se é para me dar de corpo e alma
dou-me todo como daquela vez em Chaimite.
Dou-me em troca de mil crianças felizes
nenhum velho a pedir esmola
uma escola em cada bairro
salário justo nas oficinas
filas de camiões carregados de hortaliças
um exército de operários todos com serviço
um tesouro de belas raparigas maravilhando as praias
e ao vento da minha terra uma grande bandeira sem quinas.
Se é para me dar
dou-me de graça por conta disso.
Mas se é para me vender
vendo-me mas vendo-me muito caro.
Ao preço incondicional
de quanto me pode custar este poema.

José Craveirinha



(Mais poemas de Craveirinha no blogue À sombra dos palmares)

José Craveirinha, Lourenço Marques (actual Maputo), 1922 - 2003.

Pode considerar-se José Craveirinha como o poeta nacional moçambicano, no sentido em que Camões o é para Portugal. De certo modo, com a sua poesia frequentemente extensa, narrática, glosando temáticas da dominação colonial, da identidade nacional e de lirismo amoroso ou irónico, Craveirinha acaba por forjar textos que têm marcas épicas, que funcionam como relatos concentrados ou alusões à gesta do povo de Moçambique. (Pires Laranjeira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, vol. 64, Lisboa, Universidade Aberta, 1995, pp. 278) , in Lusofonia.



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Pecados da Lusofonia (Dulce Maria Cardoso)




PECADOS DA LUSOFONIA

Conta a minha mãe que em pequena aprendi quimbundo em vez de português. Conta ainda a minha mãe que eu não só falava quimbundo como gostava de comer funje e de dançar com as lavadeiras dos vizinhos. Os meus pais nada sabiam de quimbundo portanto não sei até que ponto eu me expressei em quimbundo, possivelmente repeti algumas palavras que ouvi aos filhos das lavadeiras com quem brincava e pouco mais. Lembro-me no entanto de me aperceber mais tarde de que havia um conflito entre a nossa língua e as línguas deles.

As línguas deles nunca eram usadas oficialmente. Nas escolas, nos hospitais ou nas repartições públicas só se falava português e a maioria dos colonos ridicularizava os negros por não serem capazes de pronunciar algumas palavras portuguesas e por não usarem devidamente as regras gramaticais. Para a maioria dos colonos essa incapacidade era sinónimo de pouca capacidade intelectual e prova irrefutável de que eles não saberiam governar-se sozinhos. Chamavam por isso matumbos aos negros. Os brancos usavam muitas vezes palavras da língua deles para os insultarem. O uso da língua deles limitava-se praticamente a isso. Porque só o que é familiar pode ferir profundamente mais.

O facto de a maioria dos brancos não saber das línguas deles mais do que meia dúzia de insultos não era visto como sinal de pouca capacidade intelectual, era apenas sinal de que a língua deles não tinha interesse e ainda que os brancos desconfiassem que eles conspiravam na língua deles nem assim perdiam tempo com isso. Os negros e as línguas deles não eram uma ameaça perante o poder que os brancos e, consequentemente a língua dos brancos, tinham.

Segundo a wikipédia, a Lusofonia é o conjunto de algumas identidades culturais existentes em países, regiões, estados ou cidades falantes da língua portuguesa, como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Goa, Damão e Diu, e também por diversas pessoas e comunidades em todo o mundo. Alguns teóricos que a estudam advogam que temos de entender a lusofonia no presente, isto é, sem o peso dos factos históricos que lhe deram origem.

Creio não ser possível pensar na lusofonia sem ter em conta os cinco séculos de Império e Portugal como colonizador. A lusofonia é fruto do Império. Desfizemo-nos do Império como se fosse uma camisa velha, no dizer do Professor Eduardo Lourenço. Penso que o mais correcto será dizer que quisemos desfazer-nos do Império como se fosse uma camisa velha mas que nunca o conseguiremos fazer porque o Império nos moldou enquanto povo, no passado, tal como a falta dele nos vai moldando o presente. Talvez por isso seja difícil fazerem-se ouvir vozes lúcidas sobre o Império. Renegamo-lo ou exaltamo-lo consoante as nossas perspectivas de vida e credo político, mas raramente conseguimos abordar com profundidade o que foi efectivamente o Império e o que dele restou.

Dizia que cresci testemunhando que uma língua pode ser uma arma muito poderosa e verifiquei que a língua dos mais fortes ganha. Por ser uma criança, não me pude aperceber de que a língua portuguesa em Luanda expressava o domínio de uns e a submissão de outros, e quando muitos anos mais tarde comecei a pensar no que tinha testemunhado era já ponto assente que o Império Português nunca deveria ter existido e que uma das grandes conquistas da Revolução de Abril tinha sido acabar com esse crime da Pátria.

Poucas vezes terei ouvido que a marca mais visível, ou melhor, mais audível desse crime é exactamente a língua. A língua portuguesa é a marca mais permanente da colonização que Portugal empreendeu. Aquando da descolonização, para os novos estados independentes era demasiado tarde ou demasiado cedo para escolherem outra língua que não o português como sua língua oficial. Lembro-me de algumas canções que os negros cantavam e que tinham palavras portuguesas pelo meio. Um dia perguntei a razão e explicaram-me que não havia uma palavra em quimbundo para o que queriam dizer. Uma dessas palavras era «identidade». Outra dessas palavras era «documento».

Dulce Maria Cardoso

Texto escrito pela escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso, que foi uma das convidadas dos Encontros da Lusofonia, na Fundação Calouste Gulbenkian no ano passado, em Paris. Este é o texto que ela leu nesses Encontros.

(Fonte: Público, 21-10-2015)



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Clarice Lispector no Instituto Moreira Salles




Acompanhamos o link sobre Clarice Lispector na página do Instituto Moreira Salles com uma breves palavras do primeiro romance dela, Perto do Coração Selvagem:


E sempre no pingo de tempo que vinha nada acontecia se ela continuava a esperar o que ia acontecer.



Clarice Lispector no IMS




segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O Fogo e as Cinzas (Manuel da Fonseca)




Certa manhã, meu pai ordenou-me inesperadamente:
- Diz a tua mãe que te vista o fato novo para ires tirar o retrato.
Admirei-me:
- Mas hoje não é dia dos meus anos...
- Pois não. Mas lá em Beja precisam de dois retratos teus. É para te identificarem.
- Identificarem?
- Sim. Para saberem que és tu e não outro.
- Não percebo - recomecei, desconfiado.
- Como podem eles supor que vai outro em meu lugar?
Daqui por diante, a conversa complicou-se de tal modo que meu pai perdeu a serenidade; gritou-me:
- Faz o que te digo, rapaz!
Fiz. Nada mais havia a replicar quando meu pai me chamava rapaz. Era uma regra que, à custa de alguns sopapos, eu acabara por introduzir nas nossas relações. Respeitando a regra, foi, pois, a minha mãe, que me vestiu de ponto em branco.
Daí a pouco, com grande escândalo dos meus amigos, passei pelo largo, a caminho de casa do Sr. Rodrigo. Passei vestido «à mamã», expressão que entre nós designava, não apenas o fato, mas certos rapazitos, medrosos e tímidos, quase sempre vestidos daquele modo e que, por isso, achávamos que não sabiam brincar nem prestavam para nada. A peça de roupa que mais caracterizava um «mamã» era o colarinho gomado aberto sobre o casaco e tapando-o até aos ombros. E eu, tido e respeitado como um rapaz às direitas, lá ia de enorme colarinho de goma, ao lado de meu pai.
Nem olhava para ninguém.
E, ainda hoje, após tantos anos, sinto vergonha. Não já pela gola, mas pelo rosto de estarrecido espanto com que fiquei no retrato.

Manuel da Fonseca, in O fogo e as cinzas (1951)




sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Menina e moça (Bernardim Ribeiro)



Este é o início do livro Menina e moça de Bernardim Ribeiro.

Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha. Escolhi para meu contentamento (se em tristezas e cuidados há i algum) vir-me viver a este monte onde o lugar e a míngua da conversação da gente fosse como já para meu cuidado cumpria, porque grande erro fora, depois de tantos nojos quantos eu com estes meus olhos vi, aventurar-me ainda a esperar do mundo o descanso que ele não deu a ninguém. Estando eu assim só, tão longe de toda a gente e de mim ainda mais longe, donde não vejo senão serras que se não mudam, de um cabo, nunca, e do outro águas do mar que nunca estão quedas, onde cuidava eu já que esquecia à desaventura por que ela e depois eu, a todo poder que ambas pudemos, não deixámos em mim nada em que pudesse achar lugar nova mágoa; antes tudo havia muito tempo, como há, que é povoado de tristezas, e com razão. Mas parece que das desaventuras há mudança para outras desaventuras, que do bem não a havia para outro bem. E foi assim que, por caso estranho, fui levada em parte onde me foram diante meus olhos apresentadas em coisas alheias todas as minhas angústias, e o meu sentido de ouvir não ficou sem sua parte de dor.

Bernardim Ribeiro 


Bernardim Ribeiro (Torrão, 1482? — 1552?) foi um escritor e poeta português renascentista. A sua principal obra é a novela Saudades, mais conhecida porém como Menina e Moça (da primeira frase da novela, que se tornou um tópico da literatura portuguesa: Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe…).

Teria frequentado a corte de Lisboa, colaborou no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, que assim como Bernardim pertenceu à roda dos poetas palacianos juntamente com Sá de Miranda, Gil Vicente e outros.

Foi o introdutor do bucolismo em Portugal.

(Wikipédia)



segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Venenos de Deus Remédios do Diabo (Mia Couto)



Aos 10 anos todos nos dizem que somos espertos, mas que nos faltam ideias próprias. Aos 20 anos dizem que somos muito espertos, mas que não venhamos com ideias. Aos 30 anos pensamos que ninguém mais tem ideias. Aos 40 achamos que as ideias dos outros são todas nossas. Aos 50 pensamos com suficiente sabedoria para já não ter ideias. Aos 60 ainda temos ideias mas esquecemos o que estavamos a pensar. Aos 70 só pensar já nos faz dormir. Aos 80 só pensamos quando dormimos.

Fala de Bartolomeu Sozinho, personagem do livro de Mia Couto Venenos de Deus Remédios do Diabo




sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Ariane (Miguel Torga)




ARIANE

Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou
Dentro da claridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

Miguel Torga



Para ajudar na compreensão do poema: No dia 1 de janeiro de 2010 foi publicada esta mensagem no blogue De Rerum Nature, que incluía também o poema de hoje:


Ariane

No dia 1 de Janeiro de 1940, há 70 anos, Miguel Torga estava preso na cadeia do Aljube, esse “tombo de agonias”.

Logo após a apreensão, no final de Novembro de 1939, com exemplar eficácia em todas as livrarias do país, de O quarto dia da criação do mundo, veio a ordem de prisão do médico-escritor, onde constava a acusação de, nessa obra, “defender ideias subversivas”. Até ao dia em que saiu, a 2 de Fevereiro de 1940, Torga escreveu vários contos, que deram corpo a Bichos, e poemas: Exortação, Lembrança, Pietá, Canção, Claridade e Ariane, que estão entre as páginas 121 e 128 do Diário I.


Fotografias de Miguel Torga da ficha da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PIDE)


sábado, 18 de junho de 2016

As férias (José Saramago)

Fotografia de Junior AmoJr


Com esta crónica de José Saramago, que faleceu no dia 18 de junho de 2010, despede-se o blogue dos seus leitores até ao mês de setembro.


As férias

Hoje, venho falar das férias: é o tempo delas, como se diz que é o tempo das cerejas. Outra árvore dá estes frutos, e a mesma árvore os arranca: os dias as trazem até nós, os dias as levam. Neste escoar se vai o tempo, mas enquanto as férias se aproximam, tudo é desejá-las, fazer projectos, embalar ilusões. Chegado o dia, temos diante de nós um espaço vazio à espera, como uma grande sala em que é preciso habitar. Que vamos pôr lá dentro? Há quem passe uns dias na terra, quem se atreva ao estrangeiro, quem conte os escudos para o toldo da praia. Há também quem não saia de casa e fique a ver, todas as horas do dia, a rua onde mora. Seja como for, os dias de férias ganham de repente um valor que os outros não tiveram. São dias totalmente disponíveis, à mercê da imaginação e das posses de cada qual. O tempo desligou-se da mecânica do relógio, é uma dimensão não delimitada, informe, um pedaço de barro diante das mãos que o vão modelar.

As férias são também uma obra de criação. Não espanta, portanto, que no limiar delas um súbito temor nos intimide. Aquele intervalo entre duas representações, aquela clareira, rodeada de floresta negra por todos os lados --- que iremos nós fazer do barro do tempo? Se vamos à terra, dois dias bastam para rever as pessoas conhecidas, os sítios e a família; se ousamos ao estrangeiro, que resultado tiraremos de quatro mil quilómetros em oito dias? E se vamos à praia? E se ficamos em casa? Depois, tudo são complicações: horários, refeições indigestas, noites mal dormidas, histórias velhas de família cansaço de viagens de ida e volta, raiva de estar fechado. Ah, as férias! Quando elas acabam, ficam-nos umas lembranças desmaiadas, como de um sonho antigo. Nada aconteceu como tínhamos imaginado: choveu, veio uma dor de dentes, os museus eram muitos, as paisagens não eram tão belas como as fotografias delas, gastou-se muito dinheiro - ou não houve sequer dinheiro para gastar. E recomeça-se o trabalho em rigoroso estado de cólera, porque pior do que ter tido e não ter já, é ficar aquém do que se sonhou.

No fundo, esse sonho, vezes e vezes renovado e outras tantas frustrado, é apenas o desejo inconsciente de repetir as únicas férias maravilhosas que já tivemos: as da infância - esses infinitos meses para os quais não havia projectos, porque então não os fazíamos e porque, mesmo antes de vividos, já eram realização. O mundo estava todo por descobrir - e o mundo cabia no círculo que os olhos traçavam. Duas árvores e um charco: a Europa. Um caminho entre rochedos: a América. Ou a Ásia. Ou a África. Nadar ou navegar no rio era o mesmo que atravessar o oceano. E descobrir um ninho abandonado valia bem a caverna de Ali Babá. Por isso, hoje, as férias não podem ser, repouso. Queremos, à viva força, descobrir o mundo, como se fôssemos nós os primeiros: outra coisa não significa a nossa satisfação quando obrigamos um. amigo a confessar que não viu, no Louvre, aquela estátua grega que, no nosso entender, vale a viagem...

Tudo isto são ilusões. O mundo está visto e decorado. Ninguém descobrirá a Europa, e a estátua grega, afinal, é uma pobre cópia romana. Mas que importa? Aqui solenemente declaro que, este ano, as minhas férias serão, em valor de revelação e descoberta, iguais àquelas em que, com os olhos novos da infância, me aconteceu encontrar uma fonte que ninguém conhecia. E se este ano não for, será para o ano. Porque a fonte lá está...

José Saramago

in Deste Mundo e do Outro (1971)




sexta-feira, 17 de junho de 2016

Pelo sonho é que vamos (Sebastião da Gama)

 



PELO SONHO É QUE VAMOS

Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.

Chegamos? Não chegamos?
- Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama




quarta-feira, 15 de junho de 2016

Pés descalços...



Havia dois ou três dias que Matilde não ia à escola. Estava doente. Dolores foi visitá-la e disse: Vê se amanhã podes ir, a professora disse que iam distribuir sapatos. Matilde, que era muito pobre e andava descalça, fez um esforço e mesmo com febre foi à escola. Ao vê-la entrar a professora disse: Ai hoje vieste? Já te passou a doença? Querias, talvez, uns sapatos e por isso apareces. Pois fica sabendo que não os levas. Matilde voltou para casa muito triste, chorando. Ao vê-la o pai perguntou-lhe o que se passava. Ela contou. Furioso o pai foi à escola e depois de discutir com a professora disse: AGORA FIQUE SABENDO QUE A MINHA FILHA NUNCA MAIS CÁ VOLTA!!!

E é por isso, pela "burrice" destes dois "adultos" que Matilde, hoje com 70 anos, nunca aprendeu a ler nem a escrever. Isso, claro, nunca a impediu de fazer a sua vida e de ser uma das pessoas mais espertas e "desenrascadas" que eu conheço. Mas é pena, que pela insensibilidade duma professora e autoritarismo de um pai, aquela menina deixasse de ter acesso ao ensino da leitura e da escrita. Naquele tempo era assim.... E hoje? Claro que hoje (que tanto se apregoam os direitos das crianças) nem tudo é um mar de rosas, haverá (há) outros "assins" que também marcam pessoas, destruindo sonhos! (Esta é uma história verídica. Os nomes são fictícios)


Lido no blogue Sardinheiras (29-6-2012)



segunda-feira, 13 de junho de 2016

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa (Campos / Pessoa)

Pessoa nas ruas da Baixa lisboeta


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida —
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento de justiça, ou capitão de cavalaria
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.
Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo mais é estúpido como um Dostoievski ou um Gorki.
Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos
tristes por profissão.

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!

Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.
Já disse: Sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: Sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.

Álvaro de Campos, um dos héteronimos de Fernando Pessoa








sexta-feira, 10 de junho de 2016

O dia em que nasci, morra e pereça (Luís de Camões)





O dia em que nasci, morra e pereça,
não o queira jamais o tempo dar,
não torne mais ao mundo e, se tornar,
eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, o Sol se lhe escureça,
mostre o mundo sinais de se acabar,
nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
a mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
as lágrimas no rosto, a cor perdida,
cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
que este dia deitou ao mundo a vida
mais desgraçada que jamais se viu!

Luís de Camões






terça-feira, 7 de junho de 2016

Raduan Nassar, Prémio Camões 2016

Fotografia: Paulo Pinto


Raduan Nassar: o Prémio Camões que abandonou a literatura

Sem comentários, o brasileiro e ex-escritor Raduan Nassar recebeu a notícia de que lhe fora atribuído o grande troféu da língua portuguesa, o Prémio Camões. A chamada de Portugal encontrou-o em casa, na fazenda de Lagoa do Sino, a três horas de carro de São Paulo. Ali, onde seria errado dizer que se retirou, tem vivido nas últimas três décadas, dedicado à agricultura. O prémio que reclama a consagração de toda uma obra literária apanhou-o de surpresa. Recusou-se uma vez mais a dar entrevistas, como tem feito desde que se desinteressou da literatura, mas ainda revelou o seu espanto a um jornalista do Folha de S. Paulo: «Eu não entendi esse prémio, minha obra é um livro e meio!». E ficou por isso, rindo-se.

Continuou a repetir o mesmo a amigos e aos jornalistas... «Mas uma obra tão minguada...» E é. Um romance e uma novela – Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978) –, para lá disso só um pequeno volume de contos, Menina a Caminho (1997), reunido já longos anos após ter virado as costas à literatura. Depois há um ensaio que até hoje permanece inédito em português, ‘A Corrente do Esforço Humano’, publicado na Alemanha em 1987, e, na mesma situação, um conto isolado ‘O Velho’, que fez parte de uma antologia francesa (Des Nouvelles du Brésil) publicada em 1998.

Só lendo as não muitas mas certamente bastantes páginas que este brasileiro de origem libanesa, hoje com 80 anos, deixou para se entender como não foi preciso mais para fazer dele um nome incontornável da nossa literatura. Entre as várias vozes que saudaram a escolha de Raduan Nassar, o escritor brasileiro Milton Hatoum – também de ascendência libanesa, e que recebeu a bênção do outro quando começou a publicar – talvez seja quem mais possa ter a dizer, uma vez que é em grande medida o mais notável dos herdeiros da influência literária daquele autor culto. «Foi um prémio merecido por sua obra plena e poderosa», disse Hatoum, lembrando que o mexicano Juan Rulfo também só publicou um romance e um livro de contos – Pedro Páramo e A Planície em Chamas, tendo sido publicado já postumamente a novela O Galo de Ouro (1980) – o que não o impediu de deixar um legado que transformou a paisagem literária sul-americana, sendo atribuída às suas pouco mais de 300 páginas um papel fundador do chamado realismo mágico. (...)


A notícia completa no semanário Sol (4-6-2016)


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Em maio de 2012 foi publicado neste blogue um trecho da obra prima de Raduan Nassuar, Lavoura arcaica.

Voltamos a esta obra. É assim que começa:


Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceo, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, pois entre os objetos que o quarto consagra estão primeiro os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou pra me levar de volta; minha mão, pouco antes dinâmica e em dura disciplina, percorria vagarosa a pele molhada do meu corpo, as pontas dos meus dedos tocavam cheias de veneno a penugem incipiente do meu peito ainda quente; minha cabeça rolava entorpecida enquanto meus cabelos se deslocavam em grossas ondas sobre a curva úmida da fronte; deitei uma das faces contra o chão, mas meus olhos pouco apreenderam, sequer perderam a imobilidade ante o vôo fugaz dos cílios; o ruído das batidas na porta vinha macio, aconchegava-se despojado de sentido, o floco de paina insinuava-se entre as curvas sinuosas da orelha onde por instantes adormecia; e o ruído se repetindo, sempre macio e manso, não me perturbava a doce embriaguez, nem minha sonolência, nem o disperso e esparso torvelinho sem acolhimento; (...)







segunda-feira, 6 de junho de 2016

Pranto para comover Jonathan (Adélia Prado)





PRANTO PARA COMOVER JONATHAN

Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.

Adélia Prado




quarta-feira, 1 de junho de 2016

A Disciplina do Amor (Lygia Fagundes Telles)



Já foi publicado aqui um breve trecho de A Disciplina do Amor, "25 de abril". Essa obra é considerada por Lygia Fagundes Telles como "o seu melhor livro"(*). 


O homem é tão necessariamente louco que não ser louco representaria uma outra forma de loucura”, escreveu Pascal. Deve ter pensado nisso a psiquiatra Karen Horney quando fez uma lista dos sintomas básicos da neurose, uma lista enorme, dela quase ninguém escapa. A loucura no cardápio. Basta ler e apontar, esta é minha. Selecionei as neuroses mais comuns e que podem nos levar além da fronteira convencionada: necessidade neurótica de agradar os outros. Necessidade neurótica de poder. Necessidade neurótica de explorar os outros. Necessidade neurótica de realização pessoal. Necessidade neurótica de despertar piedade. Necessidade neurótica de perfeição e inatacabilidade. Necessidade neurótica de um parceiro que se encarregue da sua vida – ô Deus! – mas desta última necessidade só escapam mesmo os santos. E algumas feministas mais radicais.

Tão difícil a vida e o seu ofício. E ninguém ao lado para receber a totalidade (ou parte) do fardo. Os analistas, caríssimos, e na maioria, um lixo: um lixo Freud considerava a totalidade dos seres humanos, isso nos últimos anos da sua vida sem muita ilusão. Ele não conheceu seus discípulos. E por acaso é com o analista que se comenta a fita na saída do cinema? O livro. O sabor do vinho, esse gosto meio frisante, hem? E esta pele e esta língua. A minha tiazinha falava muito na falta que lhe fazia esse ombro amigo, apoio e diversão, envelheceu procurando um. Não achou nem o ombro nem as outras partes, o que a fez choramingar sentidamente na hora da morte. Mas o que você quer, queridinha?! A gente perguntava. Está com alguma dor? Não, não era dor. Quer um padre? Não, não queria mais nenhum padre, chega de padre. Antes do último sopro, apertou desesperadamente a primeira mão ao alcance: “É que estou morrendo e não me diverti nada!


Lygia Fagundes Telles




segunda-feira, 30 de maio de 2016

A carne - Diário da decomposição



O texto original é inglés. Não estava assinado. A tradução foi publicada na revista portuguesa K, uma ótima revista dos anos 80-90.


A carne - Diário da decomposição

Morrer. Passar-se. Morto e enterrado. Comer as alfaces pela raiz. Ir para o céu. Ir para os anjinhos. Sete palmos abaixo da terra. Marar. Bater as botas. Esticar o pernil. Dar o peido mestre. Falecer. Passar para o outro lado. Dar a alma ao criador. Deixar-nos. Apagar-se. Fenecer. Ir para o inferno. Bater às portas do paraíso. Ir para o maneta. Expirar. Dar o berro. Dar de comer às minhocas. Quinar . Finar. Esvaecer. Esmaecer. Perecer. Ir desta para melhor.

Na morte, o seu coração parará, perderá o pulso e você deixará de respirar. Ficará pálido, todos os seus músculos se relaxarão e o seu corpo começará a perder calor à razão de 0,7 graus por hora.


Após MEIA HORA

A sua pele vai perdendo a cor, à medida que o sangue desce sob o peso da gravidade. Se estiver deitado de costas, o sangue afluirá à zona das costas e à parte inferior dos seus membros. Qualquer pressão sobre a pele irá torná-la branca, porque o sangue se dispersará. As suas extremidades tornam-se azuis. Os olhos começam a afundar-se.


Após QUATRO HORAS

Serão agora evidentes os primeiros sinais do rigor mortis. Antes do resto do corpo, as pálpebras, o rosto, o máxilar inferior e o pescoço tornar-se-ão rígidos. Um esforço violento ou uma electrocução pouco antes da ocorrência da morte acelerarão o rigor mortis. Este será retardado se a causa da morte for asfíxia ou envenenamento por monóxido de carbono. Depois de se ter espalhado a todo o corpo, começará a desaparecer pela mesma ordem com que se instalou. Em trinta horas, todos os seus músculos ficarão relaxados.


Após VINTE E QUATRO HORAS

O seu corpo arrefeceu até atingir a temperatura ambiente. A menos que seja conservado no frio, a sua pele começará a tomar tons vermelho-acastanhados. Em cerca de uma semana, esta descoloração alastrará ao peito, às coxas e, gradualmente, à tonalidade do corpo. As suas feições poderão estar irreconhecíveis e você exalará um cheiro intenso a carne apodrecida. Temperaturas quentes ou uma morte súbita acelerarão o processo de decomposição. Se for conservado a uma temperatura amena e num ambiente seco, o seu corpo mumificará, o que dará à pele uma aparência seca e encerada.


Após TRÊS DIAS

No interior do seu corpo, começará a formar-se gás, que poderá provocar o aparecimento de bolhas de líquido avermelhado com cerca de oito centímetros de diâmetro e o seu escorrimento através dos seus orifícios. Tudo isto confirma a história do corpo da raínha Isabel I: inchou tanto que rebentou o caixão.


Após TRÊS SEMANAS

A sua pele, cabelo e unhas estarão agora soltos, tanto que seria fácil arrancá-los. Mais cedo ou mais tarde, a sua pele rebentará expondo os músculos e a gordura. É nesta fase que os insectos e os vermes começarão a comer a sua carne. A temperatura ambiente determina a velocidade a que você ficará reduzido a um esqueleto. 

Num ambiente quente e fechado, demoraria um mês até se tornar num esqueleto; ao frio e no exterior, levará mais tempo. 

Teoricamente, o seu esqueleto poderá sobreviver eternamente. 


Adaptado de um artigo da Esquire inglesa, Junho 1991

In K nº 16, "A carne: diário da decomposição", Janeiro de 1992




segunda-feira, 23 de maio de 2016

Poética (Manuel Bandeira)





POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira


Manuel Bandeira (1886 - 1968) em releituras



quinta-feira, 19 de maio de 2016

visita-me enquanto não envelheço (Al Berto)

 Jeanne Hébuterne, por Modigliani


visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado

tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores

ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos

antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro

perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água

com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te

Al Berto

Salsugem



 Jeanne Hébuterne

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Esplendor na relva (Ruy Belo)

Deanie Loomis, interpretada por Natalie Wood,  lê o poema de Wordsworth na sala de aula, no filme Splendor in the grass (1961) de Elia Kazan (Fotograma: www.dvdbeaver.com)



ESPLENDOR NA RELVA

Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo 


"Although already nothing can give back to the hour of the splendor in the grass nor the glory in the flowers, we do not have we afflicted, because the beauty always subsists in the memory"

Este é o excerto do poema de Wordsworth que inspirou o filme de Kazan:

What though the radiance which was once so bright
Be now for ever taken from my sight,
Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower;
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind;
In the primal sympathy
Which having been must ever be;
In the soothing thoughts that spring
Out of human suffering;
In the faith that looks through death,
In years that bring the philosophic mind.








quinta-feira, 12 de maio de 2016

Carreirismo (Mário-Henrique Leiria)




CARREIRISMO

Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o.
Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Voltou passados vinte e dois anos, com chofer fardado.
Era Director Geral das Polícias. Seu pai teve o enfarte.

Mário-Henrique Leiria



Aqui podemos ver este breve texto interpretado pelo ator português Mário Viegas:








quinta-feira, 5 de maio de 2016

Universidades seniores: como vencer a velhice (Armanda Zenhas)



Universidades seniores: como vencer a velhice

O meu amigo José Ambrósio, alentejano de 72 anos, reformado há 22 anos, é aluno de Inglês, Expressão Teatral e História do Património Local na Universidade Sénior de Grândola.


Vive-se a aprender e morre-se sem saber. Troco esta velha sentença pela ideia de que podemos viver mais saudavelmente partilhando saberes, na convicção de que todos podemos saber e ensinar muito, tornando-nos mais autoconfiantes, mais vivos, mais saudáveis e mais felizes nesse processo. Tudo isto fará mais sentido quando se chega a idade da reforma, que muitos temem como o fim da sua vida (pelo menos da ativa). O artigo de hoje é dedicado às universidades seniores, uma das formas de envelhecer de forma ativa e mais saudável e feliz.

No final do século XX, a Organização Mundial de Saúde substituiu o conceito de "envelhecimento saudável" pelo de "envelhecimento ativo", considerando a importância da manutenção da autonomia e da independência dos idosos, tanto ao nível das atividades básicas como das instrumentais da sua vida quotidiana; da valorização das suas competências individuais; do aumento da qualidade de vida e da saúde. A operacionalização deste conceito é de primordial importância numa sociedade em que o aumento da longevidade é um facto. Não irei deter-me sobre as reformas necessárias a nível dos cuidados de saúde e de apoio às famílias, pois não são o objetivo deste espaço. Ficarei pelo aspeto da atividade intelectual, a que as universidades seniores poderão dar uma excelente resposta.

O meu amigo José Ambrósio, alentejano de 72 anos, reformado há 22 anos, é aluno de Inglês, Expressão Teatral e História do Património Local na Universidade Sénior de Grândola. Quando lhe pedi para me falar sobre as vantagens destas universidades, ofereceu-me um texto escrito por si, em que descreve o início da reforma de quem não tem a sorte de ter um envelhecimento ativo. Diz ele que a pessoa reformada, "Nos primeiros tempos, visita os amigos e arruma o que tem em sua casa, passa um tempo no jardim ou agarra-se à televisão, ficando, dia a dia, cada vez mais trôpega e só. A sua alimentação passa a ser descoordenada, não tendo vontade de fazer de comer, levando-a a um estado de doença. Começa a encharcar-se de medicamentos. Estas pessoas, ao sentirem-se sós, por vezes, até podem ir à loucura." Contrapõe, depois, o Sr. Ambrósio, que, se um reformado entrar "numa Universidade ou num projeto de ajuda humanitária, o seu tempo é tomado, em parte, e os seus pensamentos encontram sempre alguma coisa com que se preocupar, deixando de estar sempre a pensar na solidão, porque aí vai encontrar outras pessoas com quem conversar, criando novas amizades e nova maneira de encarar os anos que se avizinham de maneira mais alegre e bem-disposta. Diria eu... vai vencendo a velhice." Acrescenta ainda que, desta forma, não só ganha cada idoso individualmente, mas também o Estado, que poupa nos remédios, nas consultas, nos exames auxiliares de diagnóstico. Remata acrescentando que "todo este sistema de vida obriga a que os alunos elevem o seu ego, o seu amor-próprio e a sua autoestima", incluindo a preocupação com a aparência pessoal e com o vestuário.

De uma forma simples e clara, José Ambrósio concretiza três princípios básicos da Gerontologia Educativa, explicitados por Martín, nomeadamente, evitar declínios prematuros, devidos ao envelhecimento; facultar papéis significativos aos idosos, com vista a uma boa integração no seu contexto social; e desenvolver ou potenciar o crescimento e desenvolvimento pessoal. Trata-se, em resumo, de aumentar a qualidade de vida e o prazer de viver. Como diz ainda Martín, os factos de se estar exposto a ambientes de estimulação e de se utilizar recursos educativos ao longo da vida e na velhice contribuem significativamente para reduzir o declínio intelectual, aumentando os níveis de autonomia pessoal e de pertença social, combatendo a dependência familiar e social e a degradação individual. Enunciando diversas áreas de intervenção educativa com idosos, ele refere os programas de educação e formação básicos, em que se contam as universidades seniores.

Nestas universidades, os idosos podem envolver-se como alunos ou professores, sem diferenças de classes, encontrando um vasto leque de disciplinas, de carácter mais académico ou mais prático, onde a avaliação formal não entra e onde se aprende por gosto e com gosto. Literatura, escrita criativa, teatro, línguas estrangeiras, canto coral, ginástica: a variedade é enorme e depende dos interesses dos idosos e dos recursos disponíveis. Muitas vezes entra-se como aluno e acrescenta-se-lhe o papel de professor de uma determinada disciplina. Do programa faz parte uma componente forte de convívio e de socialização, bem como uma aprendizagem viva, feita de visitas aos locais de estudo (cidades, museus) e de apresentação pública do resultado do trabalho feito (apresentação de peças de teatro, recitais), bem como encontros entre universidades. A alegria e o convívio estão sempre presentes, quebrando-se a monotonia, fazendo-se amizades, aprendendo-se, descobrindo-se interesses e vocações escondidas, rejuvenescendo-se, ganhando-se autoestima, confiança em si próprio e gosto pela vida.

Assim surgiu a RUTIS, Associação Rede de Universidades da Terceira Idade, uma instituição de utilidade pública que representa as universidades seniores portuguesas. As 30 universidades que estiveram na sua origem, em 2005, foram vendo nascer outras, contando-se 107 associadas em setembro de 2008.

Para que o aumento da terceira idade não seja visto como um problema mas como uma riqueza, é preciso investir nas condições e na qualidade de vida dos idosos. As universidades seniores, felizmente em amplo crescimento, são uma parte da resposta, que a sociedade deve acarinhar e apoiar. Contudo, é preciso não esquecer toda a rede de outras estruturas, particularmente no domínio da saúde e do apoio às famílias, em que é urgente investir com seriedade.

Armanda Zenhas


(Fonte: educare.pt, 11-3-2009)

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Universidade Sénior de Grândola

A Universidade Sénior de Grândola entrou em funcionamento no mês de novembro de 2007, é uma resposta social da responsabilidade da Câmara Municipal de Grândola de promoção do envelhecimento ativo, desenvolvida em equipamentos da Autarquia, que visa criar e dinamizar regularmente atividades culturais, educacionais, de lazer e convívio para os/as maiores de 50 anos, com ou sem experiência escolar, num contexto de formação ao longo da vida, em regime informal.