Quatro anos depois de ter sido anunciado vencedor, Chico Buarque recebeu o prêmio Camões, maior láurea da literatura em língua portuguesa, das mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Boa noite excelentíssimos senhores presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa; presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; primeiro ministro de Portugal, António Costa; ministra da cultura brasileira, minha amiga, Margareth Menezes; ministro da Cultura português, Pedro Adão e Silva; querida Janja da Silva; presidente do júri, professor Frias Martins; e tantos amigos e amigas aqui presentes, Fafá de Belém, Carminho, Mia Couto, Miguel de Sousa Tavares, Pilar del Río, meu editor brasileiro Luiz Schwarz, minha editora portuguesa, Clara Capitão, e minha mulher, Carol.
Eu estou emocionado porque hoje de manhã ela saiu do hotel, atravessou a avenida e foi comprar essa gravata. (Risos) Isso me emociona.
Ao receber esse Prêmio eu penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência e sem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária.
Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá, no meu posto, a receber o prêmio Camões com muito mais propriedade.
Meu pai também contribuiu para minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na esquerda democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos 60 retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática do nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairemos num fosso, sob muitos aspectos, mais profundo.
O meu pai era paulista, meu avô pernambucano, meu bisavô mineiro e meu tataravô baiano. Tenho antepassados negros e indigenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo prasileiro, trago nas veias o sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco.
Recuando no tempo, em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por decavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Provida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos novos portugueses, sua prole exilou-se no nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela inquisição, pode ser que algum dia, eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica. (Risos)
Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tem uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos me sinto em casa e esmero-me nas colocações pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966 ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema “Morte e vida Severina” com músicas minhas. Ele, um poeta consagrado e eu um atrevido estudante de arquitetura.
O grande João Cabral, o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música e nem sei se chegou a folhear algum livro meu.
Escrevi meu primeiro romance “Estorvo”; em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de Prêmio Camões. De vários autores aqui premiados, fui amigo de outros tantos de Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde... Sou leitor e admirador. Esqueci de citar antes o nosso grande Manuel Alegre, aqui presente, que também foi premiado com Camões.
Por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto de ser reconhecido no Brasil como compositor popular, e em Portugal como o “gajo” que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim. Valeu a pena esperar por esta cerimônia marcada, não por acaso, para a véspera do dia em que os portugueses dessem a avenida Liberdade a festejar a revolução dos cravos.
Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se não o haviam esquecido. Porque sabe-se: prêmios também são perecíveis, tem data de validade.
Quatro anos com uma pandemia no meio davam às vezes a impressão que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça facista persiste, no Brasil e por toda parte. Hoje, porém nessa tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para assinatura do nosso presidente Lula.
Recebo esse prêmio menos como uma honraria pessoal e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo. Muito obrigado.
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quinta-feira, 27 de abril de 2023
Chico Buarque recebeu o prêmio Camões de 2019 no dia 24 de Abril de 2023
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quarta-feira, 22 de maio de 2019
Chico Buarque vence Prémio Camões 2019
Chico Buarque é o vencedor do Prémio Camões 2019
Chico Buarque fora já distinguido duas vezes com o prémio Jabuti, o mais importante prémio literário no Brasil, pelo romance "Leite Derramado", em 2010, obra com que também venceu o antigo Prémio Portugal Telecom de Literatura, e por "Budapeste", em 2006.
O músico e escritor foi escolhido pelos jurados Clara Rowland e Manuel Frias Martins, indicados pelo Ministério português da Cultura, pelos brasileiros Antonio Cícero Correia Lima e António Carlos Hohlfeldt, pela professora angolana Ana Paula Tavares e pelo professor moçambicano Nataniel Ngomane.
Escritor, compositor e cantor, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro.
Estreou-se nas Letras com o romance "Estorvo", publicado em 1991, a que se seguiram obras como "Benjamim", "Tantas palavras" e "O Irmão Alemão", publicado em 2014.
Em 2017, venceu em França o prémio Roger Caillois pelo conjunto da obra literária.
O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objetivo de distinguir um autor "cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum".
Foi atribuído pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga. Em 2018 o prémio distinguiu o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, autor de "A ilha fantástica", "Os dois irmãos" e "O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo", entre outras obras.
Brasil e Portugal lideram a lista de distinguidos com o Prémio Camões, com 13 premiados cada, seguindo-se Angola, Moçambique e Cabo Verde, com dois laureados cada - contando com o luso-angolano Luandino Vieira.
A história do galardão conta apenas com uma recusa, a de Luandino Vieira, em 2006.
Lista dos distinguidos com o Prémio Camões:
1989 -- Miguel Torga, Portugal
1990 -- João Cabral de Melo Neto, Brasil
1991 -- José Craveirinha, Moçambique
1992 -- Vergílio Ferreira, Portugal
1993 -- Rachel Queiroz, Brasil
1994 -- Jorge Amado, Brasil
1995 -- José Saramago, Portugal
1996 -- Eduardo Lourenço, Portugal
1997 -- Pepetela, Angola
1998 -- António Cândido de Mello e Sousa, Brasil
1999 -- Sophia de Mello Breyner Andresen, Portugal
2000 -- Autran Dourado, Brasil
2001 -- Eugénio de Andrade, Portugal
2002 - Maria Velho da Costa, Portugal
2003 -- Rubem Fonseca, Brasil
2004 -- Agustina Bessa-Luís, Portugal
2005 -- Lygia Fagundes Telles, Brasil
2006 -- José Luandino Vieira, Portugal/Angola
2007 -- António Lobo Antunes, Portugal
2008 -- João Ubaldo Ribeiro, Brasil
2009 -- Arménio Vieira, Cabo Verde
2010 -- Ferreira Gullar, Brasil
2011 -- Manuel António Pina, Portugal
2012 -- Dalton Trevisan, Brasil
2013 - Mia Couto, Moçambique
2014 - Alberto da Costa e Silva, Brasil
2015 - Hélia Correia, Portugal
2016 - Raduan Nassar, Brasil
2017 - Manuel Alegre, Portugal
2018 - Germano Almeida, Cabo Verde
2019 - Chico Buarque, Brasil
Informação publicada no DN (21 de maio de 2019)
Em "Poeta de canções, dramaturgo e romancista: Chico Buarque é mais do que Bob Dylan", de João Céu e Silva, no Diário de Notícias de ontem, podemos ler o seguinte:
"Quero ficar no teu corpo feito tatuagem" é o verso inicial de uma canção da peça Calabar - O Elogio da Traição que Chico Buarque escreveu com Ruy Guerra e subiu aos palcos em 1973. Pode dizer-se que só Calabar justificaria o Prémio Camões que Chico Buarque recebeu ontem após a escolha do júri porque reúne nessa canção - e outras como Anna de Amsterdam - a sedução capaz de pôr milhões a cantar enquanto pensam na condição humana da protagonista.
Mas Calabar não é só música porque nessa peça já estava tudo o que faz de Chico Buarque um dos maiores criadores da língua portuguesa, a razão pela qual Portugal e Brasil instituíram este prémio: além de compositor musical, é poeta e escritor de letras, autor de teatro e com meia dúzia de narrativas de ficção de fôlego.
A escolha de Chico Buarque implode pela primeira vez com a norma de atribuir o Camões a "especialistas" do clube da literatura, ficcionistas e poetas, uma orientação que vem desde a primeira escolha, Miguel Torga (1989), passou por Jorge Amado (1994), e no ano passado calhou a Germano Almeida.
(Artigo completo no link)
Página oficial de Chico Buarque
Tatuagem
Chico Buarque - Ruy Guerra/1972-1973
Para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço
Quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva
Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes
Chico Buarque fora já distinguido duas vezes com o prémio Jabuti, o mais importante prémio literário no Brasil, pelo romance "Leite Derramado", em 2010, obra com que também venceu o antigo Prémio Portugal Telecom de Literatura, e por "Budapeste", em 2006.
O músico e escritor foi escolhido pelos jurados Clara Rowland e Manuel Frias Martins, indicados pelo Ministério português da Cultura, pelos brasileiros Antonio Cícero Correia Lima e António Carlos Hohlfeldt, pela professora angolana Ana Paula Tavares e pelo professor moçambicano Nataniel Ngomane.
Escritor, compositor e cantor, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro.
Estreou-se nas Letras com o romance "Estorvo", publicado em 1991, a que se seguiram obras como "Benjamim", "Tantas palavras" e "O Irmão Alemão", publicado em 2014.
Em 2017, venceu em França o prémio Roger Caillois pelo conjunto da obra literária.
O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objetivo de distinguir um autor "cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum".
Foi atribuído pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga. Em 2018 o prémio distinguiu o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, autor de "A ilha fantástica", "Os dois irmãos" e "O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo", entre outras obras.
Brasil e Portugal lideram a lista de distinguidos com o Prémio Camões, com 13 premiados cada, seguindo-se Angola, Moçambique e Cabo Verde, com dois laureados cada - contando com o luso-angolano Luandino Vieira.
A história do galardão conta apenas com uma recusa, a de Luandino Vieira, em 2006.
Lista dos distinguidos com o Prémio Camões:
1989 -- Miguel Torga, Portugal
1990 -- João Cabral de Melo Neto, Brasil
1991 -- José Craveirinha, Moçambique
1992 -- Vergílio Ferreira, Portugal
1993 -- Rachel Queiroz, Brasil
1994 -- Jorge Amado, Brasil
1995 -- José Saramago, Portugal
1996 -- Eduardo Lourenço, Portugal
1997 -- Pepetela, Angola
1998 -- António Cândido de Mello e Sousa, Brasil
1999 -- Sophia de Mello Breyner Andresen, Portugal
2000 -- Autran Dourado, Brasil
2001 -- Eugénio de Andrade, Portugal
2002 - Maria Velho da Costa, Portugal
2003 -- Rubem Fonseca, Brasil
2004 -- Agustina Bessa-Luís, Portugal
2005 -- Lygia Fagundes Telles, Brasil
2006 -- José Luandino Vieira, Portugal/Angola
2007 -- António Lobo Antunes, Portugal
2008 -- João Ubaldo Ribeiro, Brasil
2009 -- Arménio Vieira, Cabo Verde
2010 -- Ferreira Gullar, Brasil
2011 -- Manuel António Pina, Portugal
2012 -- Dalton Trevisan, Brasil
2013 - Mia Couto, Moçambique
2014 - Alberto da Costa e Silva, Brasil
2015 - Hélia Correia, Portugal
2016 - Raduan Nassar, Brasil
2017 - Manuel Alegre, Portugal
2018 - Germano Almeida, Cabo Verde
2019 - Chico Buarque, Brasil
Informação publicada no DN (21 de maio de 2019)
Em "Poeta de canções, dramaturgo e romancista: Chico Buarque é mais do que Bob Dylan", de João Céu e Silva, no Diário de Notícias de ontem, podemos ler o seguinte:
"Quero ficar no teu corpo feito tatuagem" é o verso inicial de uma canção da peça Calabar - O Elogio da Traição que Chico Buarque escreveu com Ruy Guerra e subiu aos palcos em 1973. Pode dizer-se que só Calabar justificaria o Prémio Camões que Chico Buarque recebeu ontem após a escolha do júri porque reúne nessa canção - e outras como Anna de Amsterdam - a sedução capaz de pôr milhões a cantar enquanto pensam na condição humana da protagonista.
Mas Calabar não é só música porque nessa peça já estava tudo o que faz de Chico Buarque um dos maiores criadores da língua portuguesa, a razão pela qual Portugal e Brasil instituíram este prémio: além de compositor musical, é poeta e escritor de letras, autor de teatro e com meia dúzia de narrativas de ficção de fôlego.
A escolha de Chico Buarque implode pela primeira vez com a norma de atribuir o Camões a "especialistas" do clube da literatura, ficcionistas e poetas, uma orientação que vem desde a primeira escolha, Miguel Torga (1989), passou por Jorge Amado (1994), e no ano passado calhou a Germano Almeida.
(Artigo completo no link)
Página oficial de Chico Buarque
Tatuagem
Chico Buarque - Ruy Guerra/1972-1973
Para a peça Calabar de Chico Buarque e Ruy Guerra
Quero ficar no teu corpo feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem
E também pra me perpetuar em tua escrava
Que você pega, esfrega, nega
Mas não lava
Quero brincar no teu corpo feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem
E nos músculos exaustos do teu braço
Repousar frouxa, murcha, farta
Morta de cansaço
Quero pesar feito cruz nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem
Quero ser a cicatriz risonha e corrosiva
Marcada a frio, a ferro e fogo
Em carne viva
Corações de mãe
Arpões, sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
Mas não sentes
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