segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A traiçoeira língua portuguesa: errar é humano e fácil



A traiçoeira língua portuguesa: errar é humano e fácil 

A língua portuguesa é um terreno fértil para erros ortográficos. São esses os que mais se notam, mas não são 
os únicos que os portugueses cometem com facilidade

Avia um tempo em que, concerteza, seria mais difícil encontrar erros ortográficos nos textos. Mas derepente, quase sem dar-mos por isso, vieram os corretores automáticos. Ha culpa também é do Acordo Ortográfico, que interviu na maneira como escrevemos e falamos.

Calma, caro leitor. Não perdemos a cabeça e deixámos de saber escrever. Temos perfeita noção de que o parágrafo anterior está cheio de erros ortográficos. Porém, é provável que algum leitor, em certo momento da vida, tenha cometido um deslize em qualquer destas palavras, a falar ou a escrever.

É mais comum do que se pensa. Os erros das primeiras frases são alguns dos mais comuns em Portugal (ver gráfico ao lado). Palavras que devíamos ter aprendido a escrever corretamente durante a escola primária transformam-se em quebra-cabeças da língua portuguesa. “Nas aulas de correção linguística que dou, a maioria dos grande erros que me chegam às mãos tem a ver com o não domínio básico do português. A nível da sintaxe básica, para não falar da componente linguística e gramatical”, explica Lúcia Vaz Pedro, professora e formadora de língua portuguesa. Desde que o Acordo Ortográfico entrou em vigor, este passou a ser uma desculpa apetecível para quem se engana a escrever ou falar. E há erros um pouco para todos os gostos. Os ortográficos são os que dão mais nas vistas, mas há quem tenha dificuldade em fazer a concordância, a pronominalização, quem separe o sujeito e o predicado com vírgulas...

E há outros erros que surgem até do próprio sistema linguístico, por exemplo, devido à semelhança entre o ‘c’ e ‘s’. “São elementos que têm o mesmo valor fonético. São erros compreensíveis e têm de ser combatidos através da gramática. O aluno tem de conhecer os elementos que fazem sentido. Ao conhecer essas raízes, começa a dar menos erros”, explica Luís Ramos, professor e membro da Associação de Professores de Português.

Nas aulas de Luís Ramos são comuns os erros na terminação da terceira pessoa do plural dos verbos, em que a expressão ‘am’ é substituída por ‘ão’; a troca de consoantes, escrevendo-se ‘promenor’ em vez de ‘pormenor’; a queda de vogais, em que ‘interessado’ se transforma em ‘intressado’... Muitos destes erros são baseados na parofonia (alteração de voz) e na homofonia (semelhança de sons e pronúncias). São os casos de ‘cria’ (queria), ‘dorante’ (durante), ‘logar’ (lugar), ‘perguntoulhes’ (perguntou-lhes), ‘pessoua’ (pessoa), ‘audiçõens’ (audições), ‘fazes’ (fases), ‘éra’ (era), ‘gitarra’ (guitarra), ‘nu’ (no), ‘houra’ (hora), ‘nein’ (nem), ‘subio’ (subiu), ‘cócigas’ (cócegas)...





(Expresso, 10 de outubro de 2017)






quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Vida e Obra de Ana Luísa Amaral em "Ler Mais Ler Melhor"



Ana Luísa Amaral, lerá os seus versos na Aula de Poesía Enrique Díez-Canedo, de Badajoz, no próximo 15 de março.






segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

País de azulejos partidos (Mário Dionísio)




PAÍS DE AZULEJOS PARTIDOS

País de azulejos partidos
de erva trepando entre paredes em ruína
País entregue à sua sina
sem olhos e sem ouvidos

País voraz ruminando o almoço
rindo ou chorando incapaz de sorrir
País de corpo aberto a quem está a seguir
País do rastejar entre a pele e o osso

Pulinhos para trás e para a frente
de polegar na cava do colete
foguetes procissões uns copos de palhete
país da pequenez de si mesma contente

País indiferente aos que dão por ele a vida
País herói se não há perigo em sê-lo
País de velhos do Restelo
dado à mão-baixa perto e consentida

País que tudo quer e nada quer tudo suporta
País do faz como vires fazer
País do quero lá saber
do quem vier depois que feche a porta

Mário Dionísio

(1916-1993)

Do seu livro Terceira Idade (1982)


Centro Mário Dionísio




segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O irreal quotidiano (José Gomes Ferreira)




Na semana passada, certo inglês, de passagem por Lisboa, quase me implorou, farto do Idêntico em toda a parte:

— Mostre-me qualquer coisa que não exista noutro país. Há?

Meditei meio segundo e respondi, telegráfico:

— Há. «Cabarets».
O senhor estrangeiro encolheu os ombros em trejeito de desdém. Mas eu teimei:

— Sim. «Cabarets» …«Cabarets» estranhos, ao contrário, de pernas para o ar, sem «jazz» nem pretos de dentes brancos a soprarem gargalhadas nos saxofones. «Cabarets» … do avesso em que não se encontram mulheres de riso fatal a dançarem ao som macabro do estalar das rolhas das garrafas de champanhe. Autênticas Casas de Sofrer – onde se servem indigestões de mariscos e bebidas tristíssimas – construídas de propósito para pessoas, com fumos de luto nas mangas, que pretendem chorar em público sem medo do ridículo. «Cabarets» – válvulas-de-escape, em suma…Venha comigo e verá.

Tomámos um táxi, descemos uma viela sonâmbula, abrimos a porta de vidro em frente e pisámos com reverência o veludo do tapete de cascas de tremoços do Salão de Fados em que duas dezenas de seres, palidamente diluídos no rumor das vozes em surdina, se preparavam para sofrer em comum.

Ambiente de bicos de pés. Os criados deslizavam, irreais, com sapatos fantasmas, para não perturbarem a dor dos clientes que, de cabeça pesada entre as mãos, parafusavam neste tema de meditação irresolúvel: «A vida é uma chatice!» (…)

Ia começar a função. No estrado alinhavam-se duas cadeiras à espera do viola e do guitarrista que entraram pouco depois em ritmo de enterro. O cantor também não tardou a surgir no catafalco, mancha negra dos cabelos até aos sapatos, solenidade de telegrama de pêsames, lívido, suado, sinceramente infeliz, cara de serenata à meia-noite a noivas mortas…

Houve um sussurro espectral. Os ouvintes ajeitaram-se o melhor possível nos assentos para sofrerem com comodidade.

José Gomes Ferreira


De O Irreal Quotidiano: histórias e invenções (1971). Sobre este livro, v. CITI


segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Testamento (Ana Luísa Amaral)



Recordamos que a poeta portuguesa Ana Luísa Amaral, lerá os seus versos na Aula de Poesía Enrique Díez-Canedo, de Badajoz, no próximo 15 de março. A apresentação da sessão da manhã será feita por alunos do 1º ano de "Bachillerato" da nossa Escola.


TESTAMENTO

Vou partir de avião
e o medo das alturas misturado comigo
faz-me tomar calmantes
e ter sonhos confusos

Se eu morrer
quero que a minha filha não se esqueça de mim
que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
e que lhe ofereçam fantasia
mais que um horário certo
ou uma cama bem feita

Dêem-lhe amor e ver
dentro das coisas
sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
em vez de lhe ensinarem contas de somar
e a descascar batatas

Preparem minha filha para a vida
se eu morrer de avião
e ficar despegada do meu corpo
e for átomo livre lá no céu

Que se lembre de mim
a minha filha
e mais tarde que diga à sua filha
que eu voei lá no céu
e fui contentamento deslumbrado
ao ver na sua casa as contas de somar erradas
e as batatas no saco esquecidas
e íntegras.

Ana Luísa Amaral



Sessão de Poesia com Teresa Coutinho, poemas de Ana Luísa Amaral. Livraria de Santiago, 1.ª Feira do Livro da Vila Literária de Óbidos, 16 de junho de 2013.