sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Escada sem corrimão (David Mourão-Ferreira)

Fotografia de João Eduardo Figueiredo


ESCADA SEM CORRIMÃO

É uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.

Os degraus, quanto mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.

Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.

Sobe-se numa corrida.
Corre-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.

David Mourão-Ferreira




segunda-feira, 23 de setembro de 2019

No corpo (Ferreira Gullar)

Fotografia de Alexandre D...


NO CORPO

De que vale reconstruir com palavras
o que o verão levou
entre nuvens e risos
junto com o jornal velho pelos ares?

O sonho na boca, o incêndio na cama,
o apelo na noite
agora são apenas esta
contração (este clarão)
de maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente.

Ferreira Gullar



sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Pequena Elegia de Setembro (Eugénio de Andrade)

Fotografia de César Augusto V. R.


PEQUENA ELEGIA DE SETEMBRO

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Eugénio de Andrade




segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A Escola no tempo dos meus avós


A Escola no tempo dos meus avós

No tempo dos meus avós a relação entre o professor e os alunos era má, pois o professor usava uma cana para castigar os alunos ou mandava-os ir para junto da secretária, pondo-os de joelhos com as mãos por baixo.

Na escola da minha avó, só andavam raparigas e os rapazes andavam noutra escola. Por isso, as raparigas davam-se bem umas com as outras. Na escola do meu avô, as raparigas e os rapazes andavam todos juntos.

A escola dos meus avôs era bastante velha e as casas de banho eram à “antiga portuguesa”: de madeira e com um buraco.

As brincadeiras da minha avó, sendo rapariga, eram: jogar às escondidas, ao lencinho e à macaca. As brincadeiras do meu avô, sendo rapaz, eram: jogar futebol com uma bola feita de panos velhos, ao pião e ao botão. Ambas as escolas tinham baloiços pendurados nas árvores.

As matérias estudadas antigamente eram praticamente as mesmas: matemática, história, geografia, português e ciências.

Os trabalhos de casa eram sempre os mesmos: fazer a tabuada, fazer cópias, resolver problemas e fazer contas.

Na escola da minha avó e do meu avô não havia avaliação, nem por períodos, nem no final do ano. O professor ia vendo os trabalhos que cada um ia fazendo e corrigia-os. Só na terceiro ano havia exames em que os alunos faziam o que sabiam e eram aprovados ou reprovados, os aprovados recebiam um diploma.

Os pais dos meus avós nunca falavam com o professor, por isso não tinham nenhuma informação sobre eles.

Os meus avós já não se lembram de episódios tristes ou alegres. Mas contam que alguns colegas deles guardam muitas recordações, porque o professor batia-lhes e castigava-os.

Era assim a escola de antigamente.

Ainda achas que a tua escola é má?

Inês Campos 


(Fonte)



sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Liberdade (Sophia de Mello Breyner Andresen)



Neste ano celebra-se o centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004), que foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. Foi a primeira mulher portuguesa a receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prémio Camões, em 1999.

É por isso que quero que a primeira mensagem, a primeira posta, deste ano letivo 2019-20 seja um poema dela. E haverá mais, claro. Hoje, a liberdade e o mar, tão presentes nos seus versos.


LIBERDADE

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.


Ondas na praia da Comporta, Pedro Veiga