quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Promenade - Outono (Mário Avelar)

Pormenor de um quadro de Jasper Johns



Promenade - Outono
(Jaspers John)

Ás vezes sento-me na
sala a ouvir Coltrane,
in a sentimental mood...

Procuro então o teu
olhar, o teu olhar d' águia,
suspenso algures na

azáfama das vindimas,
suspenso algures num
ponto além da azáfama

das vindimas...ponto sem
regresso neste lugar.
Would you know my name

if I saw you in heaven?
Onde as veredas do céu
estão repletas de

anjos...onde, agitando
e gesticulando, tu
serás por certo um deles?

Mário Avelar







segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Não quero morrer... (Júlio Isidro)



Não quero morrer...

NÃO, NÃO ESTOU VELHO!!!!!!

NÃO SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO PARA JÁ SABER TUDO!

Passaram 40 anos de um sonho chamado Abril.
E lembro-me do texto de Jorge de Sena…. Não quero morrer sem ver a cor da liberdade.
Passaram quatro décadas e de súbito os portugueses ficam a saber, em espanto, que são responsáveis de uma crise e que a têm que pagar…. civilizadamente, ordenadamente, no respeito das regras da democracia, com manifestações próprias das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o seu elevado espírito cívico, no sofrer e ….calar.
Sou dos que acreditam na invenção desta crise.
Um “directório” algures decidiu que as classes médias estavam a viver acima da média. E de repente verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros…. a dívida soberana entrou no nosso vocabulário e invadiu o dia a dia.
Serviu para despedir, cortar salários, regalias/direitos do chamado Estado Social e o valor do trabalho foi diminuído, embora um nosso ministro tenha dito decerto por lapso, que “o trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de Auschwitz.
Parece que alguém anda à procura de uma solução que se espera não seja final.
Os homens nascem com direito à felicidade e não apenas à estrita e restrita sobrevivência.
Foi perante o espanto dos portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o Estado que se comprometia a devolver o investimento de uma vida de trabalho.Mas, daqui a 20 anos isto resolve-se.
Agora, os velhos atónitos, repartem o dinheiro entre os medicamentos e a comida.
E ainda tem que dar para ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível.
A Igreja e tantas instituições de solidariedade fazem diariamente o milagre da multiplicação dos pães.
Morrem mais velhos em solidão, dão por eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos de sair de casa, suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, maridos, mulheres e filhos mancham-se de sangue, 5% dos sem abrigo têm cursos superiores, consta que há cursos superiores de geração espontânea, mas 81.000 licenciados estão desempregados.
Milhares de alunos saem das universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que muitos desistem de estudar para procurar trabalho.
Há 200.000 novos emigrantes, e o filme “Gaiola Dourada” faz um milhão de espectadores.
Há terras do interior, sem centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros.
Há carros topo de gama para sortear e auto-estradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a boçalidade.
Há 50.000 trabalhadores rurais que abandonaram os campos, mas há as grandes vitórias da venda de dívida pública a taxas muito mais altas do que outros países intervencionados.
Há romances de ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em bem...estar para ambas as partes.
Aumentam as mortes por problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos os americanos. Também ele tem um sonho…
Há a privatização de empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a ser lucrativas. Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem?
E há a saída à irlandesa quando eu preferia uma…à francesa.
Há muita gente a opinar, alguns escondidos com o rabo de fora.
E aprendemos neologismos como “inconseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário do que está escrito no dicionário. Mas há os penalties escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e muito discutidos, e muita conversa, muita conversa e nós, distraídos.
E agora, já quase todos sabemos que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária. Surrealista…
Mas há os meninos que têm que ir à escola nas férias para ter pequeno- almoço e almoço.
E as mães que vão ao banco…. alimentar contra a fome, envergonhadamente, matar a fome dos seus meninos.
É por estes meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20 anos, pelos velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com a desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade.

Júlio Isidro

(Publicado em Ericeira online. Jornal regional do Concelho de Mafra)


* * * * * * * * * * * * * * * * * * 


Os versos de Jorge de Sena, escritos em 1956, a que Júlio Isidro se refere são estes:


QUEM A TEM...

Não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.

Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.




quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Ana Assis Pacheco apresenta 'Memórias de um Craque'



Ana Assis Pacheco, uma das filhas do jornalista, escritor e poeta português Fernando Assis Pacheco, bem representado neste blogue, participa na apresentação de um livro do pai: Memórias de um craque.





Sinopse 

Não há maus assuntos, às vezes há é maus jornalistas - esta consigna podia aplicar-se, por inteiro, a Fernando Assis Pacheco (1937-95). Repórter sem par na sua geração, ele escrevia como ninguém, sempre capaz de transformar o nada em ouro. São disso um exemplo flagrante estas Memórias de Um Craque, segundo título das Obras de Assis em publicação pela Assírio & Alvim. Prefaciado pelo organizador, com posfácio de Manuel António Pina, Memórias de Um Craque reúne 30 crónicas, escritas em 1972 para o Record e nunca depois saídas em livro. Em boa hora o foram agora, porque são uma maravilha. O craque é o próprio Assis, e a matéria evocada é a do futebol, melhor dizendo a do futebol que o puto que Assis foi praticou na rua, algures na cidade de Coimbra, a da sua infância. E aqui torna-se difícil separar o Assis jornalista do Assis escritor. Ele escrevia para um jornal, mas, sentindo-se à rédea solta, a sua escrita ganhou asas até atingir um píncaro sem paralelo entre nós. Indiscritível pela graça, a auto-ironia, o domínio pleno da língua e das suas expressões mais populares, nestas crónicas reabilitadas com cartas de nobreza. Uma pequena grande obra, da qual o jornalista não está de todo arredado, porque estas Memórias possuem igualmente o cunho de repórter, capazes como são de reconstituir tanto um cenário dos tempos idos, quanto o espírito de uma época. Assis, no seu melhor.

Ficha da editora Assírio & Alvim




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

"Tento sempre ter por dia três ou quatro horas no século XIX"



Na Idade Média, ao longo das suas vidas as pessoas tinham acesso, no máximo, a sete ou oito imagens, pinturas ou representações. Por isso, concentravam a sua atenção durante dias, semanas, meses. Vivemos numa época em que, em dois minutos, vemos mais imagens que os nossos antepassados do século XVI na vida toda. O mesmo acontece com as pessoas. Um europeu da Idade Média se calhar conhecia 50 na vida toda, talvez aquilo que nós conhecemos num mês. Isso faz com que haja, hoje em dia, uma velocidade de consumo de imagens e de pessoas. Se uma imagem não nos salva, há milhares de outras. Com muitas excepções, é muito raro uma pessoa estar duas ou mesmo uma hora seguida concentrada num único objecto. Ou seja, há uma geração que tem muitos estímulos. Estou com curiosidade em saber o que vai acontecer em termos artísticos daqui a 10 ou 20 anos.

Por causa da dispersão?

Ninguém imagina Miguel Ângelo a fazer uma pincelada, depois a responder a um e-mail e voltar outra vez à pintura. Os artistas passavam semanas fechados num compartimento, sem falar com ninguém, só saíam para comprar comida, sem largar o seu objecto. Há obras de arte que só podem aparecer se uma pessoa estiver uma, duas, três, quatro, cinco horas em frente delas, sem mudar a sua atenção para outro lado. E este tempo prolongado com o mesmo objecto, concentrado, é qualquer coisa que as tecnologias e o mundo contemporâneo estão a perturbar.

Gonçalo M. Tavares, in JL- Jornal de Letras, Artes e Ideias, n.º 1125, de 13 a 26 de Novembro de 2013.


(Lido em antologia do desconhecimento,13-novembro-2013)




sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Fernão Lopes descreve o túmulo de Inês de Castro

 Túmulo de Inês de Castro no Mosteiro de Alcobaça
(Fotografia de Mat Jolivet)


Mandou D. Pedro obrar um muymento de alva pedra, todo muy sutilmente lavrado, pondo, elevada sobre a tampa de cima a imagem della com coroa na cabeça como se fôra Rainha; e este muymento mandou pôr no Mosteiro de Alcobaça, não à entrada onde jazem os Reys, mas dentro da Igreja, à mão direita, junto da Capela Mor, e fez trazer o seu corpo do Mosteiro de Santa Clara de Coimbra, onde jazia, o mais honradamente que se fazer pode; porque ele vinha em umas andas muy bem preparadas para tal tempo, as quais trazião grandes cavallos acompanhados de grandes Fidalgos, e outra muita gente, e Donas, e Donzelas, e outra muita Cleresia; e pelo caminho estavão muito mil homens com círios nas mãos, de tal sorte ordenados, que sempre o seu corpo foy todo o caminho entre círios acezos; e assim chegarão até ao dito Mosteiro, que erão dalli dezassete léguas, onde com muitas Missas, e grande solemnidade foy posto aquelle muymento. E foi esta a mais honrada Tresladação, que até áquelle tempo em Portugal fôra vista.

Fernão Lopes



Fernão Lopes (1380?-1460?) terá nascido em Lisboa, de uma família do povo. É considerado o maior historiógrafo de língua portuguesa, aliando a investigação à preocupação pela busca da verdade. Foi escrivão de livros do rei D. João I e «escrivão da puridade» do infante D. Fernando. D. Duarte concedeu-lhe uma tença anual para ele se dedicar à investigação da história do reino, devendo redigir uma Crónica Geral do Reino de Portugal. Correu a província a buscar informações, informações estas que depois lhe serviram para escrever as várias crónicas (Crónica de D. Pedro I, Crónica de D. Fernando, Crónica de D. João I, Parte I e II, Crónica de Cinco Reis de Portugal e Crónicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal). Foi «guardador das escrituras» da Torre do Tombo.

 Projecto Vercial  




António Sérgio e Oliveira Marques sobre Inês de Castro

Quinta das Lágrimas, em Coimbra

Dois excertos de dois dos mais reputados historiadores portugueses para ver a lenda de Inês de Castro de uma outra maneira. O primeiro pertence a António Sérgio e o segundo a A. H. de Oliveira Marques.



O episódio da morte de Inês de Castro, apesar de não ter significado histórico, é preciso mencioná-lo pela sua celebridade, pelo interesse humano da tragédia, e pelo lugar que tem na arte, na literatura e nas tradições de Portugal.

O infante D. Pedro, filho mais velho de Afonso IV (1325-1357), casou com D. Constança, senhora nobre castelhana. No séquito desta veio uma donzela, Inês de Castro, por quem o infante se apaixonou. Percebendo isto, desejou Constança que Inês de Castro fosse madrinha de um filho seu, para que o parentesco espiritual entre a donzela e o infante levantasse obstáculo à sua paixão. Quando morreu D. Constança, recusou-se D. Pedro a segundo matrimónio. Entretanto, alguns fidalgos castelhanos quiseram depor o seu monarca, substituindo-o pelo nosso príncipe, e Inês de Castro e os seus irmãos serviram de cúmplices na conjura. Era, como se está vendo, o problema melindrosíssimo da união com o vizinho reino, que neste período é dominante. O facto muito naturalmente alarmou os que queriam garantir a independência nacional. Por isso Inês foi julgada e condenada por uma espécie de conselho de estado. Encontrando-se pois o rei em Montemor-o-Velho, resolveu ir a Coimbra acompanhado de gente sua, que deveria executar a sentença. Inês, logo de princípio, percebeu as intenções de D. Afonso IV, e tais súplicas fez que o abrandou. Mas, quando este se retirava, apertaram com ele os conselheiros; «fazei lá o que quiserdes», respondeu-lhes; e então, Pedro Coelho e Afonso Gonçalves mandaram executar a condenada. O infante, furioso, revoltou-se contra o pai; dois anos depois subia ao trono; e, passado tempo (1360), em Cantanhede e em Coimbra, na presença de tabeliães e muitos homens da sua corte, declarou solenemente que casara com a sua amada, o que sempre conservara secreto para evitar desgostos ao pai. Não se limitou, porém, a isso: obteve do rei de Castela a entrega dos assassinos, que andavam fugidos naquele reino, e mandou matá-los na sua presença, tirando-se a um o coração pelo peito, e ao outro, pelas costas.

D. Pedro, a ajuizar pelas descrições de Fernão Lopes, o grande cronista, foi uma espécie de semilouco, plebeu de modos, galhofeiro, violentíssimo na cólera, com a mania da justiça, ou melhor, da punição, e preciosos dotes de administrador. Segundo o testemunho daquele escritor, «diziam as gentes que tais dez anos nunca houve em Portugal como estes que reinara el-rei D. Pedro».

Do casamento com D. Constança teve seu filho e sucessor D. Fernando; de Inês de Castro, os infantes D. João e D. Dinis; e de uma Teresa Lourenço, um outro D. João (n. 1357) que foi Mestre da Ordem de Avis, e, depois da morte de D. Fernando, rei e fundador de dinastia.

António Sérgio

Breve interpretação da História de Portugal.  Clássicos Sá da Costa Editora, Lisboa.

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D. Pedro, herdeiro da Coroa portuguesa, apaixonou-se por uma dama da casa da sua mulher, Inês de Castro, que pertencia a uma poderosa família de terratenentes de Castela. Ao que parece, D. Pedro converteu-se em joguete nas suas mãos e, segundo a versão «oficial» da história, na de seus parentes castelhanos também. O idoso e orgulhoso Afonso IV não podia tolerar tal facto, acabando por ordenar a morte de Inês (1355).

Inés Pérez de Castro era filha de D. Pedro Fernández de Castro, dito da Guerra, grande senhor galego, camareiro-mor de Afonso XI de Castela e primo direito do rei de Portugal D. Pedro I. Teve vários irmãos da mesma mãe e outro meios-irmãos mais velhos, entre os quais D. Fernando Pérez de Castro e D. Juana de Castro que veio a casar com o rei de Castela, Pedro I (1354). O avô paterno de Inês, D. Fernando Rodríguez de Castro, comandara, ao lado do seu irmão D. Juan, a invasão de Portugal pelo Minho, em 1337. Inês veio para Portugal em 1340, acompanhando a infanta D. Constança, mulher do futuro monarca português. Porventura, predilecta da infanta, foi madrinha do seu primeiro filho, D. Luís, que não vingou (1341). Os amores com D. Pedro parece terem começado cedo. Afonso IV obrigou então Inês a retirar-se para Castela, aonde se conservou até à morte de Constança, entre 1345 e 1349. Todavia, logo que a princesa faleceu, D. Pedro fez regressar Inês de Castro, passando com ela a viver maritalmente e tendo dela quatro filhos, nascidos entre 1349 e 1354. Talvez em 1351, tentou obter do Papa uma bula de dispensa que lhe permitisse o casamento com parente tão chegada. Este facto deve ter alarmado, tanto o rei como a alta nobreza cortesã, que não desejavam a interferência dos poderosos Castros castelhanos no jogo de influências local. Em 1345, um partido da alta nobreza castelhana adverso a Pedro I, onde militava D. Álvar Pérez de Castro, procurou, por intermédio deste, o infante português homónimo, convidando-o a aceitar a Coroa de Castela. Este facto parece ter actuado decisivamente no ânimo de Afonso IV e dos seus conselheiros mais chegados, que não pretendiam conflitos com o país vizinho e queriam evitar que Portugal se imiscuisse nas lutas civis de Castela. Assim, em Janeiro de 1355 Inês foi assassinada em Coimbra por ordem ou com a complacência do rei.

As consequências deste crime foram uma curta guerra civil e –coisa de muito maior importância– o surto de uma drama histórico que se aguentaria no cartaz durante mais de cinco séculos.


A. H. de Oliveira Marques 

História de Portugal. Volume I: Das origens ao Renascimento. Palas Editores, Lisboa.




Inês morreu (Ruy Belo)

A atriz Ana Moreira como Inês de Castro



INÉS MORREU 

Inês morreu e nem se defendeu
da morte com as asas da andorinha
pois diminuta era a morte que esperava
aquela que de amor morria cada dia
aquela ovelha mansa que até mesmo cansa
olhar vestir de si o dia a dia
aquele colo claro sob o qual se erguia
o rosto envolto em loura cabeleira
pedro distante soube tudo num instante
que tudo terminou e mais do que a inês
o frio ferro matou a ele
Nunca havia chorado é a primeira vez que chora
agora quando a terra já encerra
aquele monumento de beleza
que pode pedro achar em toda a natureza
pode pedro esperar senão ouvir chorar
as próprias pedras já que da beleza
se comovam talvez uma vez que os humanos corações
consentiram na morte da inocente inês
E pedro pouco diz só diz talvez
satanás excedeu o seu poder em mim
deixem-me só na morte só na vida
a morte é sem nenhuma dúvida a melhor jogada
que o sangue limpe agora as minhas mãos cheias de nada
ó vida ó madrugada coisas do princípio vida
começada logo terminada

Ruy Belo


Inês de Castro...

na Wikipédia

na Infopédia

no Plano Nacional de Leitura

em Vidas Lusófonas





segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Do blogue 'Ladrão de bicicletas'



Dei por acaso com este blogue, Ladrão de bicicletas, e acho que vale a pena ser conhecido pelos leitores deste. Eis a apresentação e dois post recentes.


Apresentação

Os dilemas trágicos que os indivíduos têm de enfrentar em resultado da falta de recursos e de poder tornam-se visíveis num belo filme italiano a que este blogue roubou o nome. Não somos cineastas, mas economistas. Acreditamos que a economia, como o cinema, pode ser um «desporto de combate». Temos partidos e ideologias diferentes e divergentes, mas convergimos no que hoje importa. Pleno-emprego, serviços públicos, redistribuição da riqueza e do rendimento, controlo democrático da economia fazem parte do caminho que queremos percorrer. Recusamos e combatemos as «evidências» e mitos que alimentam o actual consenso neoliberal. Acreditamos que o mercado sem fim é a ideologia transponível do nosso tempo. Mas uma coisa reconhecemos aos nossos adversários e a F. Hayek, o seu grande ideólogo: «nada é inevitável na existência social e só o pensamento faz que as coisas sejam o que são». Este blogue é portanto um espaço de opinião de esquerda, socialista e que pretende desafiar o actual domínio da direita na luta das ideias. Pedalemos então!

João, Nuno, Pedro e Zé
(17 de abril de 2007)





É ISTO

«Vem aí o lúgubre e terceiro-mundista sorteio de automóveis de luxo pela administração fiscal. Esmagado pelos impostos, reduzido à subsistência como no ancien régime, vai o povo-contribuinte ver se lhe sai um BMW de luxo. É Louis XVI a sortear uma carruagem em talha dourada entre os campónios reduzidos à fome. Não poderíamos, ao menos, ser poupados a esta vergonha colectiva? A ideia pareceu muito boa a estes lojistas. São ultra-utilitaristas, se lhes falarem em dever, cidadania, justiça, moderação, riem-se com gosto de interlocutor tão parvo. Aprenderam no MBA deles que cada burro requer a sua cenoura, senão não se move. E com um sorteio poupa-se nas cenouras. E se em vez de cenoura for um BMW, o burro vai a galope, como um puro sangue inglês, mesmo subalimentado. Estes alarves pensam como alarves e, com tempo, farão de nós alarves. Miseráveis, quebrados pelas dificuldades diárias, sem esperança em coisa nenhuma, a única oportunidade que temos de fugir a este destino é sacar o BMW. Vamos todos, portanto, ligar a TV, em boa ordem e com civismo, que vai dar o telejornal e o Dr. Núncio vai girar a tômbola! Depois vamos ver em directo a entrega do carro a uma família, que não tem dinheiro para aquecer a casa no inverno, mas que beijará os pés do Núncio, enquanto três pindéricas circulam com cartazes a dizer Viva a retoma! Viva o excedente! Viva Portugal!»

Sérgio Sousa Pinto

(publicado a  8 de fevereiro de 2014)


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CARTA ABERTA A HELENA MATOS

Senhora investigadora, a sua recente entrevista a este jornal ultrapassou os limites da decência ("Os jovens podem chegar à reforma numa pobreza que já não devia existir", 1 de Fevereiro).

Não preciso de ler o seu livro porque me basta o que ouvi e li na comunicação social para perceber a mensagem. O seu objectivo está à vista: angariar apoio político para o desmantelamento do actual sistema de segurança social a fim de o substituir por um modelo que alimentará os fundos de pensões. O título do seu livro - "Este país não é para jovens" - diz o essencial: os mais velhos, os bem instalados na vida (os da "conspiração grisalha"), não querem saber do futuro dos seus jovens. Como se não bastasse a promoção da inveja entre gerações, há na sua entrevista um lamento pela passividade dos jovens ("Há-de acontecer tudo daqui a muito tempo"), que mais adiante é substituído por um apelo subtil à revolta: "Os nossos jovens terão de ter uma voz", porque depois será tarde e "já não poderão fazer guerras com quem não está cá". Promovendo um conflito entre avós, pais e netos, o seu discurso baixou a um nível repugnante.

Depois, o que diz sobre o Estado, a demografia e a segurança social é pura ideologia. A Helena Matos diz que o Estado tomou conta das pessoas e as desresponsabilizou. Pois eu digo-lhe que um Estado social forte, administrado em função do interesse público, é um Estado que garante a provisão de serviços sociais de qualidade e protege os cidadãos de diversos riscos sociais. Liberta-os da insegurança económica, do receio de não terem recursos para enfrentar esses riscos. É verdade, a sociedade portuguesa continua a ser uma das sociedades europeias mais desiguais na repartição do rendimento. Seria intelectualmente honesta se tivesse assumido que a desigualdade é fruto das políticas neoliberais que defende, em vez de a imputar ao Estado social. Ao menos diga abertamente que defende um Estado mínimo.

Sobre demografia e pensões, a sua entrevista é uma tentativa manhosa de fazer crer que não há alternativa ao modelo de segurança social que prefere. Evidentemente, tem o direito de preferir as contas virtuais da Suécia e da Itália, as tais "contas imaginárias" que refere. Porém, não insinue que essa é a única via que resta aos jovens para virem a ter alguma pensão. Aliás, esse modelo tem sido muito contestado, pois paga pensões baixíssimas e empurra os que conseguem poupar para os braços da finança, com as consequências nefastas que se conhecem melhor depois de 2008. Por iniciativa dos sociais-democratas, agora arrependidos, esse modelo será questionado nas eleições deste ano na Suécia.

Helena Matos, com a sua mais que duvidosa sociologia, evidentemente não podia deixar de dizer que o Tribunal Constitucional está muito condicionado pela mentalidade de funcionários públicos dos juízes. Conversa de baixo nível. Já sobre o desemprego nada diz. Porém, tenho de lhe lembrar que foi o baixo crescimento da economia portuguesa desde que aderimos ao euro, agravado pela actual política de austeridade, que produziu um nível de desemprego que tornará insustentável a segurança social. Apesar de não ter lugar no seu discurso, afinal é a moeda única, com tudo o que implica, que está a comprometer o futuro dos nossos jovens. Não são os seus pais e avós, nem o nosso modesto Estado social.

Helena Matos, far-lhe-ia bem não ter tantas certezas e começar a ler alguma literatura séria. A si, e a todos os que nos lêem, recomendo Alan Walker (2012), The NewAgeism, The Political Quarterly, 83(4). Ajuda a perceber de onde vêm as suas ideias e quem está consigo.

Sem consideração.

Jorge Bateira

(publicado a  7 de fevereiro de 2014 no blogue; originalmente no dia anterior no Jornali)






quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Esconderijo (Eduardo Miguel Pereira)

Fotografia de Gabriel


Começa baço, espesso, depois vem-me tudo à memória, a infância e juventude, soltas, descomprometidas, e de súbito ... turvo, negro e profundo.
Tão profundo que dói.
Rio, antes, sorrio, a dor também nos faz sorrir.
E quantas vezes não choramos alegres ?
Na melancolia de um sorriso de tristeza vislumbro mais longe que numa gargalhada destemperada.
E logo eu que rio tanto.
Serei oco ?
Talvez. Pelo menos na alegria assim serei.
Já na tristeza conheço-me e reconheço-me melhor. Vou mais fundo, deixo a superficialidade do riso e mergulho no eu sério, pensativo e penetrante.
É o meu esconderijo, aqui estou só, seguro, ninguém aqui chega. É um lugar estranho este. Pequeno mas sem limites, com um silêncio musical e o mais brilhante dos escuros.
Quando daqui saio penso :
- Escapei ! voltei a escapar.
Temo que um dia não consiga de lá sair, que fique aprisionado no esconderijo da minha consciência.
A loucura deve ser algo parecido, inconsciente.
A realidade é uma besta mas acorda-me, resgata-me, salva-me.
Hoje foi bom levar o papel e o lápis para o esconderijo, senti-me acompanhado pelo som áspero do carvão no papel.
Quebrou a música do silêncio.
O esconderijo jamais será o mesmo.


Eduardo Miguel Pereira em chegateaqui



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Guia para perder-se nos montes (José Tolentino Mendonça)

Fotografia de elesefe LSF



GUIA PARA PERDER-SE NOS MONTES

O que buscamos
uns nos outros
é sempre a noite

José Tolentino Mendonça