Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos de Oliveira. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos de Oliveira. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 25 de março de 2022

Carlos de Oliveira - Soneto fiel

 

Fotografia de Amélia Monteiro: Poema (2015)


SONETO FIEL

Vocábulos de sílica, aspereza,
Chuva nas dunas, tojos, animais
Caçados entre névoas matinais,
A beleza que têm se é beleza.

O trabalho da plaina portuguesa,
As ondas de madeira artesanais
Deixando o seu fulgor nos areais,
A solidão coalhada sobre a mesa.

As sílabas de cedro, de papel,
A espuma vegetal, o selo de água,
Caindo-me nas mãos desde o início.

O abat-jour, o seu luar fiel,
Insinuando sem amor nem mágoa
A noite que cercou o meu ofício.

Carlos de Oliveira




quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Carlos de Oliveira - Infância

Fotografia de Juca Filho


INFÂNCIA

Sonhos
enormes como cedros
que é preciso
trazer de longe
aos ombros
para achar
no inverno da memória
este rumor
de lume:
o teu perfume,
lenha
da melancolia.

Carlos de Oliveira



quinta-feira, 23 de julho de 2020

Carlos de Oliveira - Vento

Fotografia de Maria Teresa Teixeira


VENTO

As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.

Carlos de Oliveira




quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Rumor de água (Carlos de Oliveira)




RUMOR DE ÁGUA

Rumor de água
na ribeira ou no tanque?
O tanque foi na infância
minha pureza refractada.
A ribeira secou no verão
Rumor de água
no tempo e no coração.
Rumor de nada.

Carlos de Oliveira



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Uma Abelha na Chuva (Carlos de Cliveira)



Pelas cinco horas duma tarde invernosa de Outubro, certo viajante entrou em Corgos, a pé, depois da árdua jornada que o trouxera da aldeia de Montouro, por maus caminhos, ao pavimento calcetado e seguro da vila: um homem gordo, baixo, de passo molengão; samarra com gola de raposa; chapéu escuro, de aba larga, ao velho uso; a camisa apertada, sem gravata, não desfazia no esmero geral visível em tudo, das mãos limpas à barba bem escanhoada; é verdade que as botas de meio cano vinham de todo enlameadas, mas via-se que não era hábito do viajante andar por barrocais; preocupava-o a terriça, batia os pés com impaciência no empedrado. Tinha o seu quê de invulgar: o peso do tronco roliço arqueava-lhe as pernas, fazia-o bambolear como os patos: dava a impressão de aluir a cada passo. A respiração alterosa dificultava-lhe a marcha. Mesmo assim, galgara duas léguas de barrancos, lama, invernia. Grave assunto o trouxera decerto, penando nos atalhos gandarenses, por aquele tempo desabrido.


Carlos de Oliveira

Do seu livro Uma abelha na chuva (1953)


Há um filme, baseado neste romance, com o mesmo título.