segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Manuel Bandeira - Profundamente

 


PROFUNDAMENTE

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Manuel Bandeira




quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Carlos Queirós - Amizade

Autorretrato de Julia Moraes com o amigo Eurico


AMIZADE

De mais ninguém, senão de ti preciso:
Do teu sereno olhar, do teu sorriso,
Da tua mão pousada no meu ombro.
Ouvir-te murmurar: – «Espera e confia!»
E sentir converter-se em harmonia,
O que era, dantes, confusão e assombro.

Carlos Queirós



Podemos ouvir o poema lido por Luís Gaspar em Estúdio Raposa.