sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Os criadores de heróis (Emília Ferreira)



Na sequência dos incêndios que nos têm consumido árvores e vidas, o jornalista Ferreira Fernandes publicou, no dia 12 de Agosto, um belo texto intitulado "A soldado desconhecida" e dedicado a Josefa, a jovem bombeira voluntária que perdeu a vida em Gondomar, lutando contra o fogo. O jornalista terminava o seu elogio a esta estirpe de jovens, de que a bombeira era um excelente exemplo, perguntando: "Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?".

Tem toda a razão. Mas, se calhar, devíamos devolver a pergunta à sua classe profissional. Como é possível, nos dias comuns, apenas ouvirmos e lermos sobre gente sem interesse, gente que ganha a vida de modo tantas vezes destituído de qualquer valor e valia, gente cuja existência nada acrescenta de benigno às vidas dos outros? Quem cria esses valores? Quem promove esses modelos?

Os media estão cada vez mais vazios de conteúdos de interesse. E quando digo interesse refiro-me a temas que possam despertar nos leitores/ouvintes/espectadores alguma coisa mais para além da cusquice, da má-língua, do desprazer. Os heróis que os media criaram e nutriram, nos últimos anos, não têm nada de inovador nem criativo. É gente que se limita a imitar bem vozes ou estilos de outros, a fazer birras, a provar que as suas vidas são de uma pobreza confrangedora. Porque é que essa gente deve ser modelo para alguma coisa?

Os heróis que povoam as revistas cor-de-rosa, na maior parte dos casos, completamente desconhecidos e isentos de mérito, são com frequência apresentadores de televisão, bizarros fenómenos associados a produtos televisivos (outra vez) de minguada exigência narrativa, representativa ou outras. Os júris dos programas (televisivos...) que instam o público à inútil imitação são acríticos, com frequência mal educados e soberbos. O público aplaude, acéfalo, tudo o que lhe põem à frente. Os noticiários e as notícias da imprensa escrita insistem no mesmo vazio de ideias. A crítica literária, artística, o ensaio, estão reduzidos a uma expressão cada vez mais escassa. Com a excepção de alguns produtos (televisivos, há que fazer justiça, neste caso) de divulgação de investigação e risco (veja-se, por exemplo, Sucesso.pt) de alguns portugueses que resistem "ainda e sempre", nada nos fala nos que fazem. Apenas nos que desfazem. Ou nos que deixam andar.

Emília Ferreira,  no seu blogue O meu hipericão ( o texto completo da mensagem)