Como dormirão meus olhos?
Não sei como dormirão,
Pois que vela o coração.
«Toda esta noite passada,
Que eu passei em sentir,
Nunca a pude dormir,
De ser muito acordada.
Dos meus olhos fui velada;
Mas como não velarão
Pois que vela o coração?
«As horas dela, cuidei
Dormi-las, foram veladas,
Pois tão bem as empreguei,
Dou-as por bem empregadas.
Todas as noites passadas
Neste pensamento vão,
Pois que vela o coração.
«Pássaros que namorados
Pareceis no que cantais,
Não ameis, que, se amais,
De vós sereis desamados.
Em meus olhos agravados
Vereis se tenho razão,
Pois que vela o coração
Cristóvão Falcão
(c.1515-1553/57)
(Pintura: Jovem adormecido, 1931, de Eugene Berman, russo (ativo em França), 1899–1972. Boston MFA)