sexta-feira, 5 de março de 2021

Baltasar Estaço - Do tempo


Fotografia de Mário Soure


DO TEMPO

De tempo em tempo tudo vai andando,
O tempo sem pôr tempo vai correndo,
Sem tempo não se vão os tempos vendo,
Por tempo o tempo vai profetizando.

Do tempo o tempo só pode ir falando,
A tempo se pode ir o tempo erguendo,
C'o tempo se vão tempos entendendo,
Que o tempo vários tempos vai mostrando.

Nunca o tempo perdido é mais cobrado,
Que se o tempo nos tira o que é presente,
Mal pode dar o tempo o que é passado.

O tempo gaste bem todo o prudente,
Que se o tempo que passa é bem gastado,
Todo o tempo passado tem presente.

Baltasar Estaço

 

Padre Baltasar Estaço (1570-16--?) nasceu em Évora e foi cónego da Sé de Viseu. Dedicou-se à poesia e à filosofia escolástica. Por motivos desconhecidos, foi processado pela Inquisição e preso em Julho de 1614. Sabe-se que esteve preso em Coimbra em 1616, onde se tentou suicidar, sendo transferido para Lisboa no ano seguinte. Em 1620 é condenado a prisão perpétua, mas é libertado em 1621 com a condição de não voltar a Viseu. Publicou, a pedido de D. João de Bragança, bispo de Viseu, a obra Sonetos, Éclogas e Outras Rimas (Coimbra, 1604), onde glorifica vários santos e condena as vaidades do mundo num estilo em que ele próprio se propõe dar o exemplo de humildade, mas que é sobretudo feito da exploração teológica dos paradoxos e da coincidentia oppositorum no amor a Deus. Deixou diversas obras manuscritas.

(Projecto Vercial)