quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Esconderijo (Eduardo Miguel Pereira)

Fotografia de Gabriel


Começa baço, espesso, depois vem-me tudo à memória, a infância e juventude, soltas, descomprometidas, e de súbito ... turvo, negro e profundo.
Tão profundo que dói.
Rio, antes, sorrio, a dor também nos faz sorrir.
E quantas vezes não choramos alegres ?
Na melancolia de um sorriso de tristeza vislumbro mais longe que numa gargalhada destemperada.
E logo eu que rio tanto.
Serei oco ?
Talvez. Pelo menos na alegria assim serei.
Já na tristeza conheço-me e reconheço-me melhor. Vou mais fundo, deixo a superficialidade do riso e mergulho no eu sério, pensativo e penetrante.
É o meu esconderijo, aqui estou só, seguro, ninguém aqui chega. É um lugar estranho este. Pequeno mas sem limites, com um silêncio musical e o mais brilhante dos escuros.
Quando daqui saio penso :
- Escapei ! voltei a escapar.
Temo que um dia não consiga de lá sair, que fique aprisionado no esconderijo da minha consciência.
A loucura deve ser algo parecido, inconsciente.
A realidade é uma besta mas acorda-me, resgata-me, salva-me.
Hoje foi bom levar o papel e o lápis para o esconderijo, senti-me acompanhado pelo som áspero do carvão no papel.
Quebrou a música do silêncio.
O esconderijo jamais será o mesmo.


Eduardo Miguel Pereira em chegateaqui