Dei por acaso com este blogue, Ladrão de bicicletas, e acho que vale a pena ser conhecido pelos leitores deste. Eis a apresentação e dois post recentes.
Apresentação
Os dilemas trágicos que os indivíduos têm de enfrentar em resultado da falta de recursos e de poder tornam-se visíveis num belo filme italiano a que este blogue roubou o nome. Não somos cineastas, mas economistas. Acreditamos que a economia, como o cinema, pode ser um «desporto de combate». Temos partidos e ideologias diferentes e divergentes, mas convergimos no que hoje importa. Pleno-emprego, serviços públicos, redistribuição da riqueza e do rendimento, controlo democrático da economia fazem parte do caminho que queremos percorrer. Recusamos e combatemos as «evidências» e mitos que alimentam o actual consenso neoliberal. Acreditamos que o mercado sem fim é a ideologia transponível do nosso tempo. Mas uma coisa reconhecemos aos nossos adversários e a F. Hayek, o seu grande ideólogo: «nada é inevitável na existência social e só o pensamento faz que as coisas sejam o que são». Este blogue é portanto um espaço de opinião de esquerda, socialista e que pretende desafiar o actual domínio da direita na luta das ideias. Pedalemos então!
João, Nuno, Pedro e Zé
(17 de abril de 2007)
É ISTO
«Vem aí o lúgubre e terceiro-mundista sorteio de automóveis de luxo pela administração fiscal. Esmagado pelos impostos, reduzido à subsistência como no ancien régime, vai o povo-contribuinte ver se lhe sai um BMW de luxo. É Louis XVI a sortear uma carruagem em talha dourada entre os campónios reduzidos à fome. Não poderíamos, ao menos, ser poupados a esta vergonha colectiva? A ideia pareceu muito boa a estes lojistas. São ultra-utilitaristas, se lhes falarem em dever, cidadania, justiça, moderação, riem-se com gosto de interlocutor tão parvo. Aprenderam no MBA deles que cada burro requer a sua cenoura, senão não se move. E com um sorteio poupa-se nas cenouras. E se em vez de cenoura for um BMW, o burro vai a galope, como um puro sangue inglês, mesmo subalimentado. Estes alarves pensam como alarves e, com tempo, farão de nós alarves. Miseráveis, quebrados pelas dificuldades diárias, sem esperança em coisa nenhuma, a única oportunidade que temos de fugir a este destino é sacar o BMW. Vamos todos, portanto, ligar a TV, em boa ordem e com civismo, que vai dar o telejornal e o Dr. Núncio vai girar a tômbola! Depois vamos ver em directo a entrega do carro a uma família, que não tem dinheiro para aquecer a casa no inverno, mas que beijará os pés do Núncio, enquanto três pindéricas circulam com cartazes a dizer Viva a retoma! Viva o excedente! Viva Portugal!»
Sérgio Sousa Pinto
Os dilemas trágicos que os indivíduos têm de enfrentar em resultado da falta de recursos e de poder tornam-se visíveis num belo filme italiano a que este blogue roubou o nome. Não somos cineastas, mas economistas. Acreditamos que a economia, como o cinema, pode ser um «desporto de combate». Temos partidos e ideologias diferentes e divergentes, mas convergimos no que hoje importa. Pleno-emprego, serviços públicos, redistribuição da riqueza e do rendimento, controlo democrático da economia fazem parte do caminho que queremos percorrer. Recusamos e combatemos as «evidências» e mitos que alimentam o actual consenso neoliberal. Acreditamos que o mercado sem fim é a ideologia transponível do nosso tempo. Mas uma coisa reconhecemos aos nossos adversários e a F. Hayek, o seu grande ideólogo: «nada é inevitável na existência social e só o pensamento faz que as coisas sejam o que são». Este blogue é portanto um espaço de opinião de esquerda, socialista e que pretende desafiar o actual domínio da direita na luta das ideias. Pedalemos então!
João, Nuno, Pedro e Zé
(17 de abril de 2007)
É ISTO
«Vem aí o lúgubre e terceiro-mundista sorteio de automóveis de luxo pela administração fiscal. Esmagado pelos impostos, reduzido à subsistência como no ancien régime, vai o povo-contribuinte ver se lhe sai um BMW de luxo. É Louis XVI a sortear uma carruagem em talha dourada entre os campónios reduzidos à fome. Não poderíamos, ao menos, ser poupados a esta vergonha colectiva? A ideia pareceu muito boa a estes lojistas. São ultra-utilitaristas, se lhes falarem em dever, cidadania, justiça, moderação, riem-se com gosto de interlocutor tão parvo. Aprenderam no MBA deles que cada burro requer a sua cenoura, senão não se move. E com um sorteio poupa-se nas cenouras. E se em vez de cenoura for um BMW, o burro vai a galope, como um puro sangue inglês, mesmo subalimentado. Estes alarves pensam como alarves e, com tempo, farão de nós alarves. Miseráveis, quebrados pelas dificuldades diárias, sem esperança em coisa nenhuma, a única oportunidade que temos de fugir a este destino é sacar o BMW. Vamos todos, portanto, ligar a TV, em boa ordem e com civismo, que vai dar o telejornal e o Dr. Núncio vai girar a tômbola! Depois vamos ver em directo a entrega do carro a uma família, que não tem dinheiro para aquecer a casa no inverno, mas que beijará os pés do Núncio, enquanto três pindéricas circulam com cartazes a dizer Viva a retoma! Viva o excedente! Viva Portugal!»
Sérgio Sousa Pinto
(publicado a 8 de fevereiro de 2014)
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CARTA ABERTA A HELENA MATOS
Senhora investigadora, a sua recente entrevista a este jornal ultrapassou os limites da decência ("Os jovens podem chegar à reforma numa pobreza que já não devia existir", 1 de Fevereiro).
Não preciso de ler o seu livro porque me basta o que ouvi e li na comunicação social para perceber a mensagem. O seu objectivo está à vista: angariar apoio político para o desmantelamento do actual sistema de segurança social a fim de o substituir por um modelo que alimentará os fundos de pensões. O título do seu livro - "Este país não é para jovens" - diz o essencial: os mais velhos, os bem instalados na vida (os da "conspiração grisalha"), não querem saber do futuro dos seus jovens. Como se não bastasse a promoção da inveja entre gerações, há na sua entrevista um lamento pela passividade dos jovens ("Há-de acontecer tudo daqui a muito tempo"), que mais adiante é substituído por um apelo subtil à revolta: "Os nossos jovens terão de ter uma voz", porque depois será tarde e "já não poderão fazer guerras com quem não está cá". Promovendo um conflito entre avós, pais e netos, o seu discurso baixou a um nível repugnante.
Depois, o que diz sobre o Estado, a demografia e a segurança social é pura ideologia. A Helena Matos diz que o Estado tomou conta das pessoas e as desresponsabilizou. Pois eu digo-lhe que um Estado social forte, administrado em função do interesse público, é um Estado que garante a provisão de serviços sociais de qualidade e protege os cidadãos de diversos riscos sociais. Liberta-os da insegurança económica, do receio de não terem recursos para enfrentar esses riscos. É verdade, a sociedade portuguesa continua a ser uma das sociedades europeias mais desiguais na repartição do rendimento. Seria intelectualmente honesta se tivesse assumido que a desigualdade é fruto das políticas neoliberais que defende, em vez de a imputar ao Estado social. Ao menos diga abertamente que defende um Estado mínimo.
Sobre demografia e pensões, a sua entrevista é uma tentativa manhosa de fazer crer que não há alternativa ao modelo de segurança social que prefere. Evidentemente, tem o direito de preferir as contas virtuais da Suécia e da Itália, as tais "contas imaginárias" que refere. Porém, não insinue que essa é a única via que resta aos jovens para virem a ter alguma pensão. Aliás, esse modelo tem sido muito contestado, pois paga pensões baixíssimas e empurra os que conseguem poupar para os braços da finança, com as consequências nefastas que se conhecem melhor depois de 2008. Por iniciativa dos sociais-democratas, agora arrependidos, esse modelo será questionado nas eleições deste ano na Suécia.
Helena Matos, com a sua mais que duvidosa sociologia, evidentemente não podia deixar de dizer que o Tribunal Constitucional está muito condicionado pela mentalidade de funcionários públicos dos juízes. Conversa de baixo nível. Já sobre o desemprego nada diz. Porém, tenho de lhe lembrar que foi o baixo crescimento da economia portuguesa desde que aderimos ao euro, agravado pela actual política de austeridade, que produziu um nível de desemprego que tornará insustentável a segurança social. Apesar de não ter lugar no seu discurso, afinal é a moeda única, com tudo o que implica, que está a comprometer o futuro dos nossos jovens. Não são os seus pais e avós, nem o nosso modesto Estado social.
Helena Matos, far-lhe-ia bem não ter tantas certezas e começar a ler alguma literatura séria. A si, e a todos os que nos lêem, recomendo Alan Walker (2012), The NewAgeism, The Political Quarterly, 83(4). Ajuda a perceber de onde vêm as suas ideias e quem está consigo.
Sem consideração.
Jorge Bateira
(publicado a 7 de fevereiro de 2014 no blogue; originalmente no dia anterior no Jornali)
Senhora investigadora, a sua recente entrevista a este jornal ultrapassou os limites da decência ("Os jovens podem chegar à reforma numa pobreza que já não devia existir", 1 de Fevereiro).
Não preciso de ler o seu livro porque me basta o que ouvi e li na comunicação social para perceber a mensagem. O seu objectivo está à vista: angariar apoio político para o desmantelamento do actual sistema de segurança social a fim de o substituir por um modelo que alimentará os fundos de pensões. O título do seu livro - "Este país não é para jovens" - diz o essencial: os mais velhos, os bem instalados na vida (os da "conspiração grisalha"), não querem saber do futuro dos seus jovens. Como se não bastasse a promoção da inveja entre gerações, há na sua entrevista um lamento pela passividade dos jovens ("Há-de acontecer tudo daqui a muito tempo"), que mais adiante é substituído por um apelo subtil à revolta: "Os nossos jovens terão de ter uma voz", porque depois será tarde e "já não poderão fazer guerras com quem não está cá". Promovendo um conflito entre avós, pais e netos, o seu discurso baixou a um nível repugnante.
Depois, o que diz sobre o Estado, a demografia e a segurança social é pura ideologia. A Helena Matos diz que o Estado tomou conta das pessoas e as desresponsabilizou. Pois eu digo-lhe que um Estado social forte, administrado em função do interesse público, é um Estado que garante a provisão de serviços sociais de qualidade e protege os cidadãos de diversos riscos sociais. Liberta-os da insegurança económica, do receio de não terem recursos para enfrentar esses riscos. É verdade, a sociedade portuguesa continua a ser uma das sociedades europeias mais desiguais na repartição do rendimento. Seria intelectualmente honesta se tivesse assumido que a desigualdade é fruto das políticas neoliberais que defende, em vez de a imputar ao Estado social. Ao menos diga abertamente que defende um Estado mínimo.
Sobre demografia e pensões, a sua entrevista é uma tentativa manhosa de fazer crer que não há alternativa ao modelo de segurança social que prefere. Evidentemente, tem o direito de preferir as contas virtuais da Suécia e da Itália, as tais "contas imaginárias" que refere. Porém, não insinue que essa é a única via que resta aos jovens para virem a ter alguma pensão. Aliás, esse modelo tem sido muito contestado, pois paga pensões baixíssimas e empurra os que conseguem poupar para os braços da finança, com as consequências nefastas que se conhecem melhor depois de 2008. Por iniciativa dos sociais-democratas, agora arrependidos, esse modelo será questionado nas eleições deste ano na Suécia.
Helena Matos, com a sua mais que duvidosa sociologia, evidentemente não podia deixar de dizer que o Tribunal Constitucional está muito condicionado pela mentalidade de funcionários públicos dos juízes. Conversa de baixo nível. Já sobre o desemprego nada diz. Porém, tenho de lhe lembrar que foi o baixo crescimento da economia portuguesa desde que aderimos ao euro, agravado pela actual política de austeridade, que produziu um nível de desemprego que tornará insustentável a segurança social. Apesar de não ter lugar no seu discurso, afinal é a moeda única, com tudo o que implica, que está a comprometer o futuro dos nossos jovens. Não são os seus pais e avós, nem o nosso modesto Estado social.
Helena Matos, far-lhe-ia bem não ter tantas certezas e começar a ler alguma literatura séria. A si, e a todos os que nos lêem, recomendo Alan Walker (2012), The NewAgeism, The Political Quarterly, 83(4). Ajuda a perceber de onde vêm as suas ideias e quem está consigo.
Sem consideração.
Jorge Bateira
(publicado a 7 de fevereiro de 2014 no blogue; originalmente no dia anterior no Jornali)