O escritor José Luís Peixoto, de 38 anos, venceu a primeira edição do Prémio Salerno Livro d'Europa, em Itália, com a obra "Livro", anunciou no dia 1 de julho a editora Quertzal.
O romance do escritor natural de Galveias, em Ponte de Sor, foi o escolhido entre outros quatro títulos finalistas, de autores europeus com menos de 40 anos.
O "Livro" foi recentemente publicado em Itália pela Einaudi.
O júri do galardão foi "constituído por 50 leitores e 50 personalidades ligadas ao meio editorial italiano", esclarece em comunicado a editora portuguesa.
"Livro" foi publicado em Portugal em 2010, pela Quetzal Editores, e foi também finalista do Prémio Femina, atribuído em França.
A obra "Cemitério de Pianos", de Peixoto está na primeira lista do Prémio Impact Dublin, prémio a que concorrem obras publicadas em língua inglesa, nomeadas por livreiros de todo o mundo.
'Livro' é nome de pessoa, do protagonista da história, centrada na emigração portuguesa para França nas décadas de 1960 e 1970.
O escritor portugués recria neste romance o sabor das grandes narrativas de formação. A vida de Ilídio, o protagonista, é o relato de uma perseguição que começa no dia traumático em que a mãe o abandonou na infância, avançando através de seu amor pela delicada Adelaide. (Companhia das Letras)
Assim é que começa a obra:
O escritor portugués recria neste romance o sabor das grandes narrativas de formação. A vida de Ilídio, o protagonista, é o relato de uma perseguição que começa no dia traumático em que a mãe o abandonou na infância, avançando através de seu amor pela delicada Adelaide. (Companhia das Letras)
Assim é que começa a obra:
(1948)
A mãe pousou o livro nas mãos do filho.
Que mistério. O rapaz não conseguia imaginar um propósito para o objeto que suportava. Pensou em cheirá-lo, mas a porta do quintal estava aberta, entrava luz, havia muita vida lá fora. O rapaz tinha seis anos, fugiu-lhe a atenção, distraiu-se, mas não se desinteressou pelo livro, apenas deixou de o interrogar enquanto objeto em si, começou a questioná-lo de maneira muito mais abstrata, enquanto intenção, enquanto sombra de um ato. A mãe disse o nome do filho:
Ilídio.
O rapaz, Ilídio, estava nesse momento a tentar imaginar a vontade da mãe, o que pretendia ao entregar‑lhe aquele livro, que era grande de mais para as suas mãos, mas que não era demasiado pesado. A mãe voltou a dizer o nome do filho, Ilídio. E as cores da mãe voltaram a definir‑se diante dele.
Escuta.
Esta palavra simples, de sílabas simples, foi entendida pelo Ilídio de modo completo, estava a ouvi‑la antes de ser dita e continuou a ouvi‑la no silêncio que se lhe seguiu. Aquela voz a dizer aquela palavra fazia parte do Ilídio. Podia ouvi‑la na cabeça sempre que quisesse. Em certas noites, quando se agarrava à mãe, ao quente, sem ser capaz de dormir, ouvia pedaços da voz da mãe, rasgados, a passarem‑lhe pela cabeça como serpentinas. Numa dessas noites, ou em várias, é bem possível que tenha distinguido essa maneira de paz com que a mãe sempre lhe dizia: escuta. Havia tons de voz que a mãe só utilizava para certas palavras ou expressões, como quando se saturava e dizia: por favor, a esculpir cada consoante, com um grande silêncio entre por e favor, a soprar no fim; ou como quando dizia: ora, é só lérias e mais lérias e dava uma gargalhada; ou como quando dizia: tu queres é remolgaria e parodim, e parecia que estava a cantar. Não faltariam exemplos de palavras que conseguia lembrar na voz da mãe.
A mãe pousou o livro nas mãos do filho.
Que mistério. O rapaz não conseguia imaginar um propósito para o objeto que suportava. Pensou em cheirá-lo, mas a porta do quintal estava aberta, entrava luz, havia muita vida lá fora. O rapaz tinha seis anos, fugiu-lhe a atenção, distraiu-se, mas não se desinteressou pelo livro, apenas deixou de o interrogar enquanto objeto em si, começou a questioná-lo de maneira muito mais abstrata, enquanto intenção, enquanto sombra de um ato. A mãe disse o nome do filho:
Ilídio.
O rapaz, Ilídio, estava nesse momento a tentar imaginar a vontade da mãe, o que pretendia ao entregar‑lhe aquele livro, que era grande de mais para as suas mãos, mas que não era demasiado pesado. A mãe voltou a dizer o nome do filho, Ilídio. E as cores da mãe voltaram a definir‑se diante dele.
Escuta.
Esta palavra simples, de sílabas simples, foi entendida pelo Ilídio de modo completo, estava a ouvi‑la antes de ser dita e continuou a ouvi‑la no silêncio que se lhe seguiu. Aquela voz a dizer aquela palavra fazia parte do Ilídio. Podia ouvi‑la na cabeça sempre que quisesse. Em certas noites, quando se agarrava à mãe, ao quente, sem ser capaz de dormir, ouvia pedaços da voz da mãe, rasgados, a passarem‑lhe pela cabeça como serpentinas. Numa dessas noites, ou em várias, é bem possível que tenha distinguido essa maneira de paz com que a mãe sempre lhe dizia: escuta. Havia tons de voz que a mãe só utilizava para certas palavras ou expressões, como quando se saturava e dizia: por favor, a esculpir cada consoante, com um grande silêncio entre por e favor, a soprar no fim; ou como quando dizia: ora, é só lérias e mais lérias e dava uma gargalhada; ou como quando dizia: tu queres é remolgaria e parodim, e parecia que estava a cantar. Não faltariam exemplos de palavras que conseguia lembrar na voz da mãe.