O primeiro verso deste belo soneto de Fernando Assis Pacheco faz-nos recordar o camoniano "O dia em que nasci morra e pereça", que podem ler em baixo, mas é bem diferente.
O dia em que nasci meu pai cantava
versos que inventam os pastores do
monte
com palavras de lã fiada fina
cordeiro lírio neve tojo fonte
esta é uma velha história de
família
para dizer como ele e eu chegámos
à raiz mais profunda do afecto
da qual nunca jamais nos separámos
nem Deus feito menino teve um pai
que o abraçasse e lhe cantasse
assim
desde a primeira hora até ao fim
fui vê-lo ao hospital quando morria
olhos parados num sorriso leve
tojo cordeiro lírio fonte neve
Lisboa, 28-XII-93
Do seu livro Respiração Assistida, publicado pela Assírio & Alvim, 2003.
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.
A luz lhe falte, o sol se lhe escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!
Luís de Camões