segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Carlos Drummond de Andrade - Um Homem e o seu Carnaval




UM HOMEM E O SEU CARNAVAL

Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido.
Sem olhos, sem boca
sem dimensão.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.
O pandeiro bate
É dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.
Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.

Carlos Drummond de Andrade


Do seu livro Brejo das Almas (1934)


Fotografia: Foliões brincando o carnaval de rua, no Rio de Janeiro, s.d. Fundo Correio da Manhã.