quarta-feira, 20 de maio de 2020

Jorge de Lima - Olhemos os olhos das crianças...

Fotografia de Lucas Landau


OLHEMOS os olhos das crianças que eles encerram mistérios;
dentro de suas pupilas moram selvagens bons,
pairam neles as lendas das terras desconhecidas.
Olhemos os olhos das crianças;
quando com eles cruzamos nossos olhos,
há reconhecimentos súbitos
e reminiscências que revivem.
Que ausência de ouro e prata existe neles!
Que verdes potros relincham em suas colinas!
Que indiferença pelas arcas ricas!
Como se parecem com os olhos dos poetas!
Olhemos os olhos da crianças,
desprevenidos de crimes e borrascas,
inconscientes entre o Bem e o Mal
sempre transparentes como a água e o mel.
Olhemos os olhos das crianças,
com seus horizontes claros, claros,
capazes de deixar transparecer
o avô curvado e trêmulo,
o pai de sobrecasaca e a menina mãe.
Fitemos os olhos das crianças
como quem fita um écran
e vê desenrolar-se lá dentro
uma história familiar.
Olhemos os olhos das crianças
para repousar nestes céus sem pensamento
a angústia de procurar pátrias distantes
e as constelações que já morreram.

Jorge de Lima 

Wikipédia: Jorge de Lima (União dos Palmares, 23 de abril de 1893 — Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1953) foi um político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor brasileiro. Viria a se consagrar como autor de um vasto poema em dez cantos com uma diversidade enorme de formas, ritmos e intertextos - Invenção de Orfeu (1952).

Biografia em InfoEscola.

 O autor em Só Literatura.