segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Um conto angolano contado por Ana Sofia Paiva


Ana Sofia Paiva

Nasceu em Lisboa em 1981. Formada pela Escola Superior de Teatro e Cinema, graduou-se em teatro e mais tarde especializou-se em Promoção e Mediação da Leitura na Universidade do Algarve. Paralelamente ao seu trabalho de actriz, dedica-se desde 2007 à narração de contos, dentro e fora de Portugal. É membro do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional da Universidade Nova de Lisboa e da cooperativa Memória Imaterial, onde trabalha como investigadora, transcritora e recolectora de folclore poético e narrativo.

Narração oral - Narradores em Portugal


PASSADO E FUTURO

Iam dois homens por um caminho, caminhando, caminhando, caminhando. No meio do caminho pararam; encontraram outro homem, aquele que consegue extrair o vinho da palmeira.
–Ei, ei! Queremos vinho de palma; dá-nos vinho de palma!
–Eu dou-vos vinho de palma em troca dos vossos nomes.
O primeiro homem deu um passo em frente e disse:
–O meu nome é De Onde Viemos.
O outro homem ficou atrás e disse:
–O meu nome é Para Onde Vamos.
–De Onde Viemos, que belo nome! Quero. Para Onde Vamos é nome errado! A ti não te dou o vinho.
Os homens começaram a discutir e como não conseguiam chegar a um acordo, puseram-se a caminho. Iam três homens por um caminho, caminhando, caminhando, caminhando, caminhando à procura do juiz.
No fim do caminho, encontraram o juiz. Fizeram as suas queixas. O juiz ouviu, pensou e disse:
–Homem, erraste! Para Onde Vamos tem razão. Porque De Onde Viemos já passou, já nada nos pode dar, mas Para Onde Vamos, esse é o lugar onde iremos encontrar tudo aquilo que houver para encontrar.


Recolha de Héli Chatelain em Angola, a Jelemía dia Sabatelu, em finais do século XIX. Versão oral de Ana Sofia Paiva.

"Mar de Letras", RTP África | Fev 2017