quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Solange, a namorada (Carlos Drummond de Andrade)

 
Carlos Drummond de Andrade sempre veio aqui enquanto poeta, mas hoje vem com um breve conto do seu livro Contos Plausíveis. E com isto celebramos, como cada 31 de outubro, o Dia D. Para saber o que isso significa, clicamos no link. Avanço que nesse dia do ano 1902, Drummond de Andrade nasceu na cidade mineira (mineira, do estado de Minas Gerais) de Itabira.


Solange, a namorada

Todas as moças perdiam para Solange. Nenhuma podia competir com ela em matéria de namoro. Os rapazes da cidade só alimentavam uma aspiração: que Solange olhasse para eles. Desdenhavam todas as outras, ainda que fossem lindas, cheias de graça e boas de namorar. Namorar Solange, merecer o favor de seus olhos: que mais desejar na vida?

A nenhum deles Solange namorava. Era uma torre, um silêncio, um abismo, uma nuvem. Sua família inquietava-se com isto e pedia-lhe que pelo amor de Deus escolhesse um rapaz e namorasse. O vigário exortou-a nesse sentido. O prefeito apelou para os seus bons sentimentos. Ninguém mais casava, a legião de tias era assustadora. Temia-se pela ordem social.

O desaparecimento de Solange até hoje não foi explicado, mas dizem que em carta endereçada à família ela declarou que, para ser a namorada em potencial de todos, não podia ser namorada de um só, mesmo que sucessivamente trocasse de namorado. Estava certa de que exercia uma função de sonho, que a todos beneficiava. Mas se não era assim, e ninguém compreendia sua doação ideal a todos os moços, ela decidira sumir para sempre, e adeus.

Adeus? Ignora-se para onde foi Solange, mas aí é que se converteu em mito supremo, e nunca mais ninguém namorou na cidade. As moças envelheceram e morreram, a igreja fechou as portas, o comércio definhou e acabou, as casas tombaram em ruínas, tudo lá ficou uma tapera.


Infopédia:

tia 5. coloquial mulher solteira
coloquial ficar para tia - não casar

tapera (Brasil)

1. casa em ruínas
2. terreno ou aldeia abandonada e invadida pelo mato

Do tupi ta'pera, «aldeia extinta»