segunda-feira, 18 de abril de 2016

A escola dos meus pais (Luís dos Anjos)



A escola dos meus pais

No tempo dos meus pais, quando em cada aldeia deste país, por mais escondida que estivesse na encosta de uma serra, havia pelo menos vinte ou trinta crianças na escola primária, a escolaridade terminava, na esmagadora maioria dos casos, na quarta classe.

Com a conclusão da quarta classe as crianças sabiam ler, escrever e contar e sabiam igualmente de cor os nomes dos rios e dos seus afluentes, das serras e das linhas férreas de norte a sul do país. Por outras palavras, dominavam a língua materna, a matemática básica e conheciam, pelo menos no mapa, o país onde viviam. Eram estas as ferramentas que lhes eram dadas para lutarem pela vida. E tudo isto era conseguido com enormes sacrifícios, pois naqueles tempos a vida, sobretudo nos meios rurais, não era fácil, e não raras vezes antes da ida para a escola os mais novos ainda tinham de ajudar os pais nas lides do campo ou da casa. Só depois seguiam para a escola, munidos de uma sacola de pano ou serapilheira onde levavam uma lousa, giz, a tabuada e pouco mais. Na escola esperava-os uma sala de aula sem qualquer conforto, com um estrado de onde o professor dava a aula, e nas paredes um mapa de Portugal, as fotografias dos governantes da pátria e um crucifixo. Não havia placards com desenhos coloridos nem cartazes. A tudo isto juntava-se um método de ensino básico e austero, assente em grande parte no medo das reguadas. Admiro, pois, a vontade que estas crianças tinham em aprender a juntar as letras e a somar dois mais dois. Admiro a capacidade com que souberam, mais tarde, já adultos, ultrapassar as dificuldades da vida e proporcionar a toda uma nova geração (a minha) uma janela de oportunidades incomparavelmente maior.

Na história do nosso país a geração dos meus pais foi aquela que, inquestionavelmente, teve de lidar com o maior conflito de gerações e salto educacional: foram eles que fizeram a ligação entre um analfabetismo quase global da geração dos meus avós e uma geração de doutores e engenheiros.

Luís dos Anjos

(Fonte)