25 de Abril, sempre!
Esta gente que nos governa detesta o 25 de Abril, o dia fundador da nossa democracia - o dia mais feliz da vida de quem o viveu e de quem não se acomodou à ditadura
Comemora-se esta semana o quadragésimo aniversário do derrube da ditadura salazarista. Uma prolongada ditadura que chegou pela mão de um professor da Universidade de Coimbra, apessoado e bem-falante, seminarista e anti-republicano, depois de um golpe militar que pôs termo à I República, a qual se deixou afundar numa crise política, económica e financeira permanente. Uma ditadura igual a todas as ditaduras, com o seu rol de perseguições políticas, prisões e assassinatos de opositores. De pobreza, analfabetismo e cacete. Inculta e profundamente reacionária.
À medida que nos afastamos no tempo daquela madrugada de Abril, adensa-se cada vez mais, no discurso político e na "análise histórica" elaborados nestes últimos anos, a partir de uns "jovens turcos" acantonados em jornais, revistas e blogues, promovidos a "ideólogos" de outros amanhãs que cantam, o branqueamento da ditadura e a desvalorização do significado do dia 25 de Abril, enquanto data fundadora da nossa democracia. O desbragamento e a falta de vergonha e de memória assumiram tais proporções que até Durão Barroso, ex-presidente do PSD, ex-primeiro-ministro de uma coligação dos partidos que nos governam e ainda presidente da Comissão Europeia louvou, descontraidamente e sem corar, a "excelência" do ensino em tempo de ditadura. O velho ditador de Santa Comba Dão, lá na tumba onde expia os seus pecados, deve ter aplaudido o reconhecimento póstumo e gracejado, à sua maneira, sobre os discípulos que por cá deixou.
Os jovens turcos que sustentam ideologicamente este governo sempre se sentiram incomodados com o 25 de Abril, com os militares que executaram o golpe de Estado que derrubou a ditadura e com o povo que o transformou numa revolução. Recusando liminarmente o entendimento de que a democracia é o regime que dá espaço de luta a todas as expressões políticas - o que aconteceu a partir daquele dia de Abril -, começaram por teorizar que só a 25 de Novembro de 1975 nasceu a democracia, quando os comunistas são metidos na ordem democrática. Depois, cimentada a ideia, e após a elaboração de muitos estudos, concluíram que, afinal, a democracia só existiu em Portugal depois de 1982, altura em que foi extinto o Conselho da Revolução.
Mas não se ficaram por aqui. Mais tarde, começaram a falar em 1985, altura da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, como a data fundadora da democracia. De imediato, empurraram-na mais um ano, para 1986, com a eleição de Mário Soares, o primeiro chefe de Estado civil. E a seguir transferiram a data para 1989, aquando da revisão constitucional de 1989, a qual flexibilizou a garantia das nacionalizações.
Mas, mesmo assim, depois de transferirem o 25 de Abril de 1974 para 8 de Julho de 1989, os jovens turcos, os ideólogos deste governo, em sintonia com os principais banqueiros, encabeçados por Fernando Ulrich, insistem ainda que o voto dos portugueses está condicionado pela Constituição: um governo eleito não pode fazer o que quer, tem de subordinar a sua actuação a uma constituição "socialista e marxista", pelo que devemos aguardar que nos indiquem uma nova data para irmos beber um copo em comemoração da instauração da democracia.
Esta gente que nos governa detesta o 25 de Abril, o dia fundador da nossa democracia - o dia mais feliz da vida de quem o viveu e de quem não se acomodou à ditadura. Uns procuram disfarçar essa aversão, com um palavreado redondo, do tipo: "Sim, o 25 de Abril, mas foi só a libertação, não a liberdade ou a democracia"; outros, já enaltecem os feitos da ditadura. E foi aqui o cais a que aportámos, quarenta anos depois. Este governo e os seus ideólogos estão a aplanar o terreno para que o povo diga, como no fim da monarquia, como escreveu Raul Brandão: "Venha tudo, venha o pior, venha o diabo do Inferno que nos livre disto!"
Tomás Vasques, Jurista
publicado em 21 Abr 2014 (Jornali)
Comemora-se esta semana o quadragésimo aniversário do derrube da ditadura salazarista. Uma prolongada ditadura que chegou pela mão de um professor da Universidade de Coimbra, apessoado e bem-falante, seminarista e anti-republicano, depois de um golpe militar que pôs termo à I República, a qual se deixou afundar numa crise política, económica e financeira permanente. Uma ditadura igual a todas as ditaduras, com o seu rol de perseguições políticas, prisões e assassinatos de opositores. De pobreza, analfabetismo e cacete. Inculta e profundamente reacionária.
À medida que nos afastamos no tempo daquela madrugada de Abril, adensa-se cada vez mais, no discurso político e na "análise histórica" elaborados nestes últimos anos, a partir de uns "jovens turcos" acantonados em jornais, revistas e blogues, promovidos a "ideólogos" de outros amanhãs que cantam, o branqueamento da ditadura e a desvalorização do significado do dia 25 de Abril, enquanto data fundadora da nossa democracia. O desbragamento e a falta de vergonha e de memória assumiram tais proporções que até Durão Barroso, ex-presidente do PSD, ex-primeiro-ministro de uma coligação dos partidos que nos governam e ainda presidente da Comissão Europeia louvou, descontraidamente e sem corar, a "excelência" do ensino em tempo de ditadura. O velho ditador de Santa Comba Dão, lá na tumba onde expia os seus pecados, deve ter aplaudido o reconhecimento póstumo e gracejado, à sua maneira, sobre os discípulos que por cá deixou.
Os jovens turcos que sustentam ideologicamente este governo sempre se sentiram incomodados com o 25 de Abril, com os militares que executaram o golpe de Estado que derrubou a ditadura e com o povo que o transformou numa revolução. Recusando liminarmente o entendimento de que a democracia é o regime que dá espaço de luta a todas as expressões políticas - o que aconteceu a partir daquele dia de Abril -, começaram por teorizar que só a 25 de Novembro de 1975 nasceu a democracia, quando os comunistas são metidos na ordem democrática. Depois, cimentada a ideia, e após a elaboração de muitos estudos, concluíram que, afinal, a democracia só existiu em Portugal depois de 1982, altura em que foi extinto o Conselho da Revolução.
Mas não se ficaram por aqui. Mais tarde, começaram a falar em 1985, altura da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, como a data fundadora da democracia. De imediato, empurraram-na mais um ano, para 1986, com a eleição de Mário Soares, o primeiro chefe de Estado civil. E a seguir transferiram a data para 1989, aquando da revisão constitucional de 1989, a qual flexibilizou a garantia das nacionalizações.
Mas, mesmo assim, depois de transferirem o 25 de Abril de 1974 para 8 de Julho de 1989, os jovens turcos, os ideólogos deste governo, em sintonia com os principais banqueiros, encabeçados por Fernando Ulrich, insistem ainda que o voto dos portugueses está condicionado pela Constituição: um governo eleito não pode fazer o que quer, tem de subordinar a sua actuação a uma constituição "socialista e marxista", pelo que devemos aguardar que nos indiquem uma nova data para irmos beber um copo em comemoração da instauração da democracia.
Esta gente que nos governa detesta o 25 de Abril, o dia fundador da nossa democracia - o dia mais feliz da vida de quem o viveu e de quem não se acomodou à ditadura. Uns procuram disfarçar essa aversão, com um palavreado redondo, do tipo: "Sim, o 25 de Abril, mas foi só a libertação, não a liberdade ou a democracia"; outros, já enaltecem os feitos da ditadura. E foi aqui o cais a que aportámos, quarenta anos depois. Este governo e os seus ideólogos estão a aplanar o terreno para que o povo diga, como no fim da monarquia, como escreveu Raul Brandão: "Venha tudo, venha o pior, venha o diabo do Inferno que nos livre disto!"
Tomás Vasques, Jurista
publicado em 21 Abr 2014 (Jornali)