segunda-feira, 28 de abril de 2014

24 de Abril, sempre. Democracia nunca mais (Ricardo Araújo Pereira)




24 de Abril, sempre. Democracia nunca mais

Celebram-se este mês os 40 anos da morte do 25 de Abril. Ou talvez não seja bem isto. Mas parece. Não se sabe ao certo como vão ser comemoradas as quatro décadas de democracia. Suspeita-se apenas que a cerimónia vai ser pobre, triste, e presidida por gente que não mexeu uma palha para que a Revolução acontecesse. Os capitães de Abril não estarão presentes. Durante o Estado Novo, as pessoas que fizeram o 25 de Abril não podiam falar na Assembleia da República. Ao fim de 40 anos de democracia, continuam a não poder. Podem estar presentes, desde que seja só para enfeitar. Mas não querem. É pena. Sugiro um friso de capitães de Abril feito de fotografias em tamanho real, recortadas em cartão. Faz o mesmo efeito que os organizadores da cerimónia pretendiam, e podem usar-se fotografias dos tempos em que os capitães de Abril estavam mais novos e mais magros. É uma maneira de termos um 25 de Abril ainda mais próximo do original. E de plástico, que é mais barato.

Outra ideia, um pouco mais subversiva, mas igualmente respeitadora da ordem e do silêncio: todos os democratas presentes na Assembleia para a cerimónia comemorativa do 25 de Abril levam no bolso uma máscara do Vasco Lourenço. E, quando a corja topa da tribuna do hemiciclo, põem a máscara. Talvez pregue um susto suficiente para que alguns dos organizadores da festa corram a comprar um bilhete para o Brasil. As agências de viagens bem precisam de um incentivo destes.

Entretanto, e creio que já no âmbito das festividades, Durão Barroso afirmou que, antes do 25 de Abril, "apesar de algumas liberdades cortadas, havia na escola uma cultura de mérito, exigência, rigor, disciplina e trabalho" que se perdeu. Realmente, havia algumas liberdades cortadas. E algumas goelas, também. Mas, para o presidente da União Europeia, o regime em que havia uma polícia política que prendia, torturava e matava tinha um ensino muito bom. Parece que, na antiga RDA, o desporto também era óptimo. Dizem que Jack, o Estripador, tinha uma linda colecção de selos. E, como se sabe, os nazis tinham marchas lindas.

De facto, e com muita pena minha, o ensino do Estado Novo era melhor e mais exigente. Cito, por exemplo, o Livro de Leitura da 3.ª Classe, de 1958: "Com o Estado Novo abriu-se para Portugal uma época de prosperidade e de grandeza, comparável às mais brilhantes de toda a sua história. (...) Construíram-se muitas escolas, e hão-de construir-se as que forem precisas para que todas as crianças em idade escolar tenham onde educar-se e instruir-se." A prova de que o ensino era bom é que Durão Barroso memorizou estas palavras do livro único e não mais as esqueceu. É pena que, aparentemente, os primeiros-ministros que governaram Portugal após o 25 de Abril não tenham conseguido manter este nível de excelência nas nossas escolas. Não sei se Durão Barroso conhece algum. Mas todos eles merecem uma palmatoada. E deviam decorar os nomes dos rios e caminhos-de-ferro de Angola, para castigo.

Ricardo Araújo Pereira


Revista Visão  (24 de abril de 2014)