Micaias em Moçambique
Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
européias
e europeu me chamam.
Não sei se o que escrevo tem raiz a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável ... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.
Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos, uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.
Rui Knopfli
O País dos Outros (1959)
"Rui Manuel Correia
Knopfli (Inhambane, Moçambique, 1932 - Lisboa, 1997) foi um poeta, jornalista e crítico literário e de
cinema português" diz-nos a Wikipédia, mas parece que ele não se considerava português, mas moçambicano.
A Infopédia
acrescenta, por sua vez: "Poeta moçambicano (...) Desde finais dos anos 50, desenvolveu uma
sólida obra poética que não é facilmente incluída nas correntes
literárias moçambicanas, assumindo-se antes como continuadora da
tradição lírica do Ocidente. Camões, Carlos Drummond de Andrade,
Fernando Pessoa ou T. S. Eliot poderiam servir de referência para
analisar a poética de Knopfli. Isto apesar de, por ter nascido em plena
savana de Moçambique, muita da sua imagética remeter para paragens
africanas. A concisão e o cuidado formal de que se revestem os seus
poemas refletem um sentir contido e desencantado, perante uma realidade
muitas vezes altamente agressiva.Rui Knopfli viveu em Moçambique até aos
43 anos (...)"