Fotografía de paulaenfocate
FORMAS DA VIOLÊNCIA
Chamar –não muito longe, a montante do tempo– "Escrivão da pena grande" ao varredor municipal do lixo.
Escrever e publicar um livro com o título de «O Preto que tinha a alma branca».
Macaquear, ainda que por olvidada ancestralidade colonialista o falar dos brasileiros.
Conceber, fabricar e pôr à venda bonecas e bonecos assexuados.
Abominar, ao ponto de proibir ou desejar ver proibir, os brinquedos chamados belicistas, com o pretexto de que são de um «realismo atroz» ou de que –pior ainda!– se é pacifista. (Por estas e por outras é que há muito consequente pacifista que chega a adulto desarmado. É caso para perguntar: «E a paz quem a defende? E como?»)
Noticiar rixas urbanas ou suburbanas, ocorridas naquele mundo que os cronistas castiços apodam de «as alfurjas», identificando como «caboverdianos» alguns caboverdianos, entretanto «integrados», que nela possam ter participado. (Para remover o lixo citadino, não precisam de pátria ou nome; para anavalhar ou capoeirar o cidadão,sim.)
Votar de braço ao alto (quase nunca ao baixo).
Deixar –e, em certos casos, também o não deixar– que, pelo regaço daquela que nos serviu dezenas de anos, continuem a escorregar e a traquinar os filhos dos nossos filhos, já que –nossa desculpa– «ela é tão dedicada!»
Desaconselhar ou desacreditar a prática da política com razões deste jaez: «o que o povo quer é trabalhar em paz.» (E se o povo quiser trabalhar em zás-trás-pás?).
Perguntar –como, microfone na mão, se perguntou– a uma velha camponesa transmontana: «A senhora sabe o que é a política?» (Lá do seu universo ela respondeu que não sabia, mas, quem, realmente, mostrou que não sabia, cá do nosso universo, foi o perguntador, rapaz de boas maneiras, mas de fracas ideias, um que pensa, afinal, que a água começa nas torneiras...)
Alexandre O’Neill
Do seu livro A saca de orelhas (1979)