segunda-feira, 7 de março de 2011

O país do Carnaval (Jorge Amado)


Entre o azul do céu e o verde do mar, o navio ruma o verde-amarelo pátrio. Três horas da tarde. Ar parado. Calor. No tombadilho, entre franceses, ingleses, argentinos e ianques está todo o Brasil (Evoé, Carnaval!).

Fazendeiros ricos de volta da Europa, onde correram igrejas e museus. Diplomatas a dar idéia de manequins de uma casa de modas masculinas... Políticos imbecis e gordos, suas magras e imbecis filhas e seus imbecis filhos doutores.

Lá no fundo, namorando o mistério das águas, uma francesa linda como as coisas caras, aventureira viajada, da qual se dizia conhecer todos os países e todas as raças, o que equivale a dizer que conhecia toda espécie de homem, tolera, com um sorriso condescendente, o galanteio juliodantesco de uma dúzia de filhos-família brasileiros e argentinos:

― A senhorita é linda...
― Minha vida pela sua vida...
― Faça um sinal e me atirarei n’água!
― Eu queria que o navio naufragasse para poder provar quanto a amo...

Tudo isso era dito em mau francês, num mau francês de causar inveja aos rapazes que lêem Dekobra e têm por Tiradentes uma grande paixão patriótica.

Toda essa gente sua muito debaixo da elegância das suas roupas quentes, feitas em Londres e Paris a preços elevados.Toda a gente, menos a francesa, que traja um vestido simples de musselina branca. É, em verdade, bela. Olhos verdes como o mar e pele alva. Não admira que aqueles tropicais brasileiros e argentinos gastem com ela a sua retórica, tão precisa à Pátria.

Adiante, um senador, um fazendeiro, um bispo, um diplomata e a senhora do senador conversam na boa paz burguesa dos que têm o reino da terra e a certeza de comprarem o do céu.


Excerto inicial de O País do Carnaval,  o primeiro romance escrito por Jorge Amado,  que foi publicado pela primeira vez em 1931.