quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Manuel da Fonseca - Segundo dos poemas da infância



Poemas da infância


Segundo

Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, bricar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebecem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.

Mas a história dos peitos, debaixo das blusas,
foi um grande mistério.
Tão grande
que eu corria até ao cansaço.
E jogava pedradas a coisas impossíveis de tocar,
como sejam os pássaros quando passam voando.
E desafiava,
sem razão aparente,
rapazes muito mais velhos e fortes!
E uma vez,
de cima de um telhado,
joguei uma pedrada tão certeira,
que levou o chapéu do senhor administrador!
Em toda a vila,
se falou, logo, num caso de política;
o senhor administrador
mandou vir, da cidade, uma pistola,
que mostrava, nos cafés, a quem a queria ver;
e os do partido contrário,
deixaram crescer o musgo nos telhados
com medo daquela raiva de tiros para o céu...

Tal era o mistério dos seios nascendo debaixo das blusas!


Manuel da Fonseca



(Fotografia de Chiara Boschi)