SAZONAIS ETERNIDADES
Abres-me, janela,
e antigas memórias
me salpicam o rosto,
chuvas ainda por desabar.
Escancaradas portadas,
devolvem-me o corpo,
esse mesmo corpo
que, para febre e desejo,
em outro corpo acendi.
Abres-me, saudade
e o tempo se descalça
pra atravessar
incandescentes brasas.
e quando,
de novo, me encerras
volto a dormir
como dormem os rios
em véspera de serem água.
A saudade
é o que ficou
do que nunca fomos.
Mia Couto
Tradutor de chuvas (2011)
(Fotografia de Carlos Reis - Janela, Maputo)