sexta-feira, 30 de junho de 2023

Ruy Belo - Portugal sacro-profano (vii)




O lugar onde o coração se esconde
é onde o vento norte corta luas brancas no azul do mar
e o poeta solitário escolhe igreja pra casar
O lugar onde o coração se esconde
é em dezembro o sol cortado pelo frio
e à noite as luzes a alinhar o rio
O lugar onde o coração se esconde
é onde contra a casa soa o sino
e dia a dia o homem soma o seu destino
O lugar onde o coração se esconde
é sobretudo agosto vento música raparigas em cabelo
feira das sextas-feiras gado pó e povo
é onde se consente que nasça de novo
àquele que foi jovem e foi belo
mas o tempo a pouco e pouco arrefeceu
O lugar onde o coração se esconde
é o novo passado a ida pra o liceu
Mas onde fica e como é que se chama
a terra do crepúsculo de algodão em rama
das muitas procissões dos contra-luz no bar
da surpresa violenta desse sempre renovado mar?
O lugar onde o coração se esconde
e a mulher eterna tem a luz na fronte
fica no norte e é vila do conde

Ruy Belo



“Portugal sacro-profano – Vila do Conde” in «Homem de Palavra(s)» (1969). Reunido hoje no Vol. I da «Obra Poética de Ruy Belo», da Editorial Presença. O “Portugal sacro-profano” é um conjunto de sete poemas, repartidos pelo autor entre «Boca bilingue» (I a V) e «Homem de palavra(s)» (VI a VII)

Dito por Luís Miguel Cintra in «Poemas de Ruy Belo ditos por Luís Miguel Cintra», Assírio & Alvim, 2003

Audio: Michael Nyman, “Love doesn't end” in «The End of the Affair OST»

TSF