segunda-feira, 6 de maio de 2024

Mário de Andrade - Quarenta anos



QUARENTA ANOS

A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar… Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado… Horrendo

Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!… Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

Mário de Andrade

Poesias completas, vol.1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013, p. 437-438. [1933]

Retrato de Mário de Andrade, 1927 Lasar Segall