sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O mocho e o macaco (Fernando Assis Pacheco)

Fotografia de Rosa Gambóias


O MOCHO E O MACACO

Era uma vez um mocho diz o meu filho
que sabe todas as histórias do mundo

uma vez um mocho
o macaquinho pergunta-lhe
o que é quando se morre?
pois nada diz o mocho
morre-se praí

o macaquinho insiste
mocho e quando tu morreres?
morro nada diz o mocho
hás-de morrer tu primeiro

mas veio uma zorra e comeu o mocho
que foi para um buraco muito fundo
ninguém cantava nesse buraco
só os morcegos e mesmo esses
só se a gente lhes batesse
com uma vassoura da cozinha

o macaquinho come bananas
escapa-se ao jacaré do Amazonas
que lhe quer dar uma dentada
salta nas árvores
uma daquelas era onde estava o mocho

coitado do mocho
não viu a zorra ao pé da carvalheira
morre-se praí
morre-se num instantemente de nada
morre-se a morte mocha
sem a gente dizer ai

Fernando Assis Pacheco


Variações em Sousa (1987) in  A Musa Irregular, Assírio & Alvim, 2006


Deste poema diz Luís Serrano que é "Uma premonição da morte em forma de fábula"