quarta-feira, 19 de junho de 2019

De boca a barlavento (Corsino Fortes)



DE BOCA A BARLAVENTO

I

Esta
a minha mão de milho & marulho
Este
o sól a gema E não
o esboroar do osso na bigorna
E embora
O deserto abocanhe a minha carne de homem
E caranguejos devorem
esta mão de semear
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g
o
t
e
j
a
De comarca em comarca
A árvore E o arbusto
Que arrastam
As vogais e os ditongos
para dentro das violas


II

Poeta! todo o poema:
geometria de sangue & fonema
Escuto Escuta

Um pilão fala
árvores de fruto
ao meio do dia
E tambores
erguem
na colina
Um coração de terra batida
E lon longe
Do marulho á viola fria
Reconheço o bemol
Da mão doméstica
Que solfeja

Mar & monção mar & matrimónio
Pão pedra palmo de terra
Pão & património

Corsino Fortes


Escritor cabo-verdiano, Corsino Fortes nasceu em 1933, na ilha de S. Vicente, em Cabo Verde, e desde cedo foi considerado uma esperança da poesia cabo-verdiana. Licenciado em Direito em 1966, foi, depois da independência do seu país, embaixador e membro do Governo por diversas vezes.

No seu poema mais conhecido, Pão & Fonema, de 1974, Corsino Fortes proclama o povo cabo-verdiano como detentor de uma identidade própria.

O poema, que suscita múltiplas análises e interpretações, encontra-se dividido em três Cantos. Nele se evoca a odisseia dos cabo-verdianos, perdidos numa terra pouco fértil mas com uma poderosa força de viver, que os leva frequentemente à emigração e à adoção de costumes que não são genuinamente seus. É um libelo à esperança e à capacidade de resistência perante a adversidade.

Artigo da Infopédia