segunda-feira, 11 de março de 2019

O ecumenismo lusitano ou a dupla nacionalidade (Jorge de Sena)




O ECUMENISMO LUSITANO
OU A DUPLA NACIONALIDADE


Pela porta lateral da catedral em Colónia
(construída –é vero– para os ossos dos Reis Magos)
eu saía para o branco sol da manha de inverno,
quando um rumor de português subia
em negros hábitos a escada. Freiras
a quem falei sim brasileiras peregrinas
de pouso em pouso a Roma. Quando eu disse
que eu era brasileiro a madre cujo véu
rodeava um rosto emaciado e luso
disse: –Ah, naturalizado, não é brasileiro–.
O outro caso foi em Hamburgo na
Hauptbahnof. O quiosque dos jornais
de todas as línguas. Chega uma mulher
morena –um traço dentro de opulentas peles– e pergunta
por jornais lusitanos em alemão razoável.
Era evidente que só um português dos tais desejaria
em Hamburgo informar–se assim do estado do universo.
É portuguesa? Sou. Palavra puxa palavra,
eu também era. Mas ela exclamou:
–Brasileiro naturalizado? Ah, não é português–
E voltou–me as costas com o periódico na mão,
equilibrando as pernas ainda de varina
dificilmente nos tacões finíssimos.

Jorge de Sena


Exorcismos (1972)