O ECUMENISMO LUSITANO OU A DUPLA NACIONALIDADE
Pela porta lateral da catedral em Colónia
(construída –é vero– para os ossos dos Reis Magos)
eu saía para o branco sol da manha de inverno,
quando um rumor de português subia
em negros hábitos a escada. Freiras
a quem falei sim brasileiras peregrinas
de pouso em pouso a Roma. Quando eu disse
que eu era brasileiro a madre cujo véu
rodeava um rosto emaciado e luso
disse: –Ah, naturalizado, não é brasileiro–.
O outro caso foi em Hamburgo na
Hauptbahnof. O quiosque dos jornais
de todas as línguas. Chega uma mulher
morena –um traço dentro de opulentas peles– e pergunta
por jornais lusitanos em alemão razoável.
Era evidente que só um português dos tais desejaria
em Hamburgo informar–se assim do estado do universo.
É portuguesa? Sou. Palavra puxa palavra,
eu também era. Mas ela exclamou:
–Brasileiro naturalizado? Ah, não é português–
E voltou–me as costas com o periódico na mão,
equilibrando as pernas ainda de varina
dificilmente nos tacões finíssimos.
Jorge de Sena
Exorcismos (1972)
Pela porta lateral da catedral em Colónia
(construída –é vero– para os ossos dos Reis Magos)
eu saía para o branco sol da manha de inverno,
quando um rumor de português subia
em negros hábitos a escada. Freiras
a quem falei sim brasileiras peregrinas
de pouso em pouso a Roma. Quando eu disse
que eu era brasileiro a madre cujo véu
rodeava um rosto emaciado e luso
disse: –Ah, naturalizado, não é brasileiro–.
O outro caso foi em Hamburgo na
Hauptbahnof. O quiosque dos jornais
de todas as línguas. Chega uma mulher
morena –um traço dentro de opulentas peles– e pergunta
por jornais lusitanos em alemão razoável.
Era evidente que só um português dos tais desejaria
em Hamburgo informar–se assim do estado do universo.
É portuguesa? Sou. Palavra puxa palavra,
eu também era. Mas ela exclamou:
–Brasileiro naturalizado? Ah, não é português–
E voltou–me as costas com o periódico na mão,
equilibrando as pernas ainda de varina
dificilmente nos tacões finíssimos.
Jorge de Sena
Exorcismos (1972)