quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Onde começa a felicidade (Rui Zink)


Felicidade, fotografia de Vanessa Lira


ONDE COMEÇA A FELICIDADE

«Aurea mediocritas» - dizia Horácio, um dos poetas latinos que faz a base da nossa civilização. As palavras com o tempo corrompem-se, alteram-se, adulteram-se. «Mediocritas» em português deu mediocridade, tal como «parvus» deu parvo, ao contrário do castelhano em que apenas significa pequeno, ou «sinistra» em italiano quer apenas dizer esquerda.

A «Aurea mediocritas» que cantava Horácio era a doce e suave mediania entre as emoções, um equilíbrio quase bucólico na vida a ter e nos negócios a ter na vida. Não, Horácio, romano educado, não era adepto dos desportos radicais. Equilíbrio entre o quê? Distorcendo Horácio, a dois mil anos de distância, podemos dizer, talvez, equilíbrio entre o sonho e a realidade. A felicidade não pode ser só o que há, senão apodrecemos, mas também não pode ser só o que desejamos, senão ficamos com uma neurose de tanto ansiar pelo que há-de vir.

O resto é com cada qual. Alguns gostam da felicidade bovina de não pensar muito, outros gostam de estar sozinhos no deserto, outros ficam felizes com a desgraça alheia. Estes três exemplos são, cá para mim, desgraçados, mas o que sei eu dos outros? É por não saber nada dos outros que escrevo histórias sobre os outros. Para aprender. Haverá outra razão para fazer as coisas?

Felicidade é, pois, como o Natal - é quando um homem quiser. Nunca me canso de fazer versões sobre este mote do grande Paulo de Carvalho. Hei-de levar isto para a cova e se não me ocorrer mais nada (pode acontecer) esta será a minha última frase. E depois do adeus logo se verá.

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Agora uma pergunta: por que motivo os adolescentes são tão infelizes? A resposta está, uma vez mais, em Horácio: porque não se encontraram. Não sabem nem quem são nem para onde vão, ou desejam ir. Felicidade começará, então, por ser estas duas coisas: saber o que se é, com um grau de aproximação razoável, e ter pelo menos uma vaga ideia do que se quer. E uma terceira característica: não saber que se é feliz. O excesso de autoconsciência estraga os alimentos.

Homens e mulheres felizes? Conheço bastantes. Todos eles, em comum, tinham estes três traços distintivos: aceitavam-se como eram, sabiam ao que iam, não pensavam demasiado em si próprios.

Rui Zink


Luto pela Felicidade dos Portugueses (2012)