AO LONGE OS BARCOS DE FLORES
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, gracil, na escuridão tranquila,
— Perdida voz que de entre as mais se exila,
— Festões de som dissimulando a hora.
Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora…
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, gracil, na escuridão tranquila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta débil… Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora…
Camilo Pessanha
Do seu livro Clepsydra (1920)
Camilo Pessanha (Coimbra, 1867 — Macau, 1926) é considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, além de antecipador do princípio modernista da fragmentação.