Ó vizinha, dá-me salsa? (em três andamentos para abreviar)
1 (Allegro) - Sem família próxima, muda-se para uma casa das proximidades. Fecha-se numa oficina, a criar peças fantásticas. Começam, pela vizinhança, a estranhar a ausência prolongada. Batem-lhe à porta, aparece debilitado, febril, embrulhado num cobertor. Desdobram-se em cuidados de canja quente, de bolos saídos do forno, de fruta colhida no quintal. Dispõem-se ainda a acompanhar a uma ida ao médico. Volta a desenhada rotina, pois há que perceber que há ocasiões para se bater à porta.
2 (Largo)- Conhecimento de longa viagem de férias, pessoa afável e de interessante conversa. Vive num anónimo 7.º andar com letra (o prédio não se fica por ‘esquerdo’ e ‘direito’). «Não conheço ninguém por aqui, já cá moro há uns 5 anos»- confidencia num jantar oferecido aos conhecimentos de verão. Já há muito que por ali não vive, mas as coisas não terão mudado muito, ao longo dos tempos.
3 (Presto)- Prédio de vinte apartamentos, anterior morada a anteceder a fuga para o campo. Quatro horas da madrugada, tocam, com persistência, à campainha .Despertar súbito, pulsação descompassada «que desgraça anuncia o alarido?». Num repente, receia-se o pior. Voz desconhecida, pelo intercomunicador «é para abrir a porta, os nossos primos não têm como abrir a porta exterior, há uma avaria no trinco do apartamento». No dia seguinte, tentando evitar conflitos, bato à porta, a horas aceitáveis, voltando à situação inesperada, que não desejo ver repetida. À pessoal interpelação de as 4h da manhã não serem um momento conveniente, ouve-se, como num filme de Almodovar «não eram 4h, ainda faltavam quinze minutos!». Vizinhos: solidariedade, indiferença, estranheza […] (quem não tiver histórias com vizinhos, que levante o braço)