26-julho-2010
MOACYR SCLIAR
Furto nas alturas
Senhores passageiros, não se assustem se, durante o
voo, virem esta que vos fala mexendo em vossos bolsos
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Aeromoça acusada de furtar passageiros é presa em Paris. A polícia francesa prendeu uma aeromoça suspeita de furtar dinheiro, cartões de crédito, joias e talões de cheque dos passageiros durante os voos, enquanto eles dormiam. Um investigador estranhou o desnível entre o pomposo estilo de vida da aeromoça e a pequena renda declarada por ela. A aeromoça, que geralmente atendia à classe executiva, começou a furtar para resolver problemas financeiros. MUNDO, 21.JUL.10
"Senhores passageiros, sejam muito bem-vindos ao
nosso voo. Como informou o nosso comandante, estamos prontos para decolar.
Peço, pois, que afivelem seus cinturões, retornem o
encosto da poltrona para a posição vertical e mantenham travada a mesinha à sua
frente. A partir desse momento, todos os equipamentos eletrônicos deverão ser
desligados.
O nosso tempo de voo será de dez horas e quinze
minutos. Após a decolagem serviremos o jantar, que será acompanhado de finos
vinhos.
Vinho, como os senhores sabem, é ótimo para relaxar, o
que, sinceramente, espero que todos os passageiros façam. Depois do jantar
diminuiremos a luz nesta classe executiva, para que vocês possam descansar e
dormir.
"Dormir, talvez sonhar", como diria
Shakespeare. Desejamos bons sonhos a todos.
Não se assustem se, enquanto estiverem dormindo,
encontrarem esta que vos fala junto à vossa poltrona, mexendo em vossos bolsos.
Estarei recolhendo dinheiro vivo, seja em dólares, em euros, em francos suíços,
em ienes, qualquer moeda forte serve.
E recolherei joias, desde que não sejam falsas. Mas
certamente pessoas elegantes como as que viajam não cogitariam usar bijuterias.
Recolherei também cartões de crédito e talões de cheque, esperando que para os
mesmos haja fundos.
Eu poderia dizer que o propósito dessa coleta (que
para os senhores será, digamos, involuntária) é dar contribuições para fundos
de caridade, ou para ajudar vítimas de desastres ambientais. Mas não vou
mentir, senhores passageiros, porque acho a honestidade absolutamente
fundamental neste tipo de relacionamento.
O dinheiro, as joias, os cartões de crédito, os talões
de cheque, tudo isso destina-se a uma única pessoa: eu. Entendam: sou de origem
humilde, sempre vivi de salário, invejando as pessoas que, como vocês, viajam
de classe executiva. Mas agora pretendo melhorar.
Quero ter uma boa casa, quero frequentar restaurantes
da moda. E, ah, sim, quero ter um avião. Um avião particular. Não tão grande
quanto este, mas um jatinho, pelo menos, que me leve para lugares como Caribe
ou Nova York.
Não preciso de uma grande tripulação: o comandante, o
copiloto, e, obviamente, uma aeromoça ou aeromoço. Pagarei muito bem, mas quero
fazer uma advertência: como os senhores verão neste voo, eu não durmo a bordo.
Portanto, qualquer tentativa de coleta como a que eu mencionei será inútil.
Espero que os candidatos ao cargo sejam -como as
aeromoças e aeromoços em geral- absolutamente honestos. Porque o crime não
compensa. Muito menos quando se está a 10 mil metros de altura."
MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.