Um meu amigo perdeu alguém muito querido da sua família ("embarcou no derradeiro cruzeiro") e escreveu os versos seguintes. Lá vai um abraço para ele.
Já ninguém te pisa o dedo do pé que não tens.
Sim, lembras-te? Aquele que se esfumou como um cigarro numa dessas caçadas às rolas…
Sim, as rolas? Essas que tanto gostas.
E a pedra de fazer maionese?
Tens de me dar tempo para ver se ta levo com cuidado, não vá cair até que nos vejamos outra vez. Prometo que ta levo inteira, só para te ouvir o riso rouco enquanto fazes pouco de mim.
Queres que abra o bar para bebermos a última mini da Harmonia?
Preferes um whisky elegante? O que quiseres tio. Sou o teu sobrinho.
Sim, o azul dos meus olhos é a prova evidente que sou filho dum alemão da base de Beja.
Podes acordar-me com um copo de água gelada ou dar-me aquelas sovas de cócegas. Eu prometo que acordo e não te vomito o carro como quando os quilómetros infantis até ao Algarve me enjoavam e deixavam resíduos na caixa de velocidades.
Sabes como me impressionas a falar todas as línguas possíveis e imaginárias? Ainda hoje te imito mas faltam-me as tuas vogais fechadas, fruto da fonética do bigode que cortaste ficando sobre o lábio eternamente.
Com sorte ainda vês o Sporting a perder. Não é difícil e eu fico feliz. Descansa, hás-de ser sempre o meu lagarto favorito.
Queres que chame a “Luzia por um buraco” e o “Manel cu-de-pincel”, que hoje não está a cagar no mato? (Não sejas judeu e não atires pedras!)
Talvez possamos ir aos ninhos antes de a noite cair. Enquanto for dia manter-nos-emos todos Leais.
Embarcarás outra vez.
Este cruzeiro é uma categoria, sei que vou fazer esta rota turística.
Teremos escalas em comum,
Aí direi que sou o sobrinho do Gomes, num inglês de vogais fechadas como o teu.
Luís Leal Pinto
(Fonte: o seu blogue Senderos da Mão Esquerda)