Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.
Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas
volúteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.
Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda
isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.
E ele espera, contente quase e bebedor
tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.
19/06/1914
Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa