Mestiço (1934) pintura de Cândido Portinari
CANÇAO DO MESTIÇO
Mestiço!
Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como se olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de quem me vê.
Mestiço!
E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição
como l e l são 2.
Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso:
— mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.
Ah!
Mas eu não me danei ...
E muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor! ...
Mestiço!
Quando amo a branca
sou branco...
Quando amo a negra
sou negro.
Pois é...
Francisco José Tenreiro
Francisco José Tenreiro nasceu em São Tomé e Príncipe em 1921 e faleceu em 1963, numa altura em que se intensificava a Guerra Colonial. Geógrafo por formação, usou a poesia para exprimir a nova África, já não a dos postais ilustrados e dos povos, plantas e animais exóticos, mas a de um novo tempo, marcado pela fusão de culturas nativas.
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