quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Livro do desassossego (Fernando Pessoa)

Fernando Pessoa, por Júlio Pomar

Um paradoxo. Fernando Pessoa vem pela primeira vez a este blogue não como poeta, mas como prosador, pela mão do seu heterónimo Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa,  autor do Livro do desassossego. Serão publicados mais excertos deste livro.


Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados.


O que são os heterónimos?