segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Camilo Pessanha - Paisagens de Inverno

 


PAISAGENS DE INVERNO

I

Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendidos que o pecado
Queimou... Voltai, horas de paz.

Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido...
— Cismai meus olhos como dois velhinhos.

Extintas primaveras evocai-as:
— Já vai florir o pomar das macieiras,
Hemos de enfeitar os chapéus de maias. —

Sossegai, esfriai, olhos febris.
— E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas... Doces vozes senis...


II

Passou o Outono já, já torna o frio...
— Outono de seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado...
— O sol, e as águas límpidas do rio.

Águas claras do rio! Águas do rio,
Fugindo sob o meu olhar cansado,
Para onde me levais meu vão cuidado?
Aonde vais, meu coração vazio?

Ficai, cabelos dela, flutuando,
E, debaixo das águas fugidias,
Os seus olhos abertos e cismando...

Onde ides a correr, melancolias?
— E, refractadas, longamente ondeando,
As suas mãos translúcidas e frias... 


Camilo Pessanha



(Fotografia de Robert Grant: Inverno no Parque, Lisboa, 2016)