segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Adélia Prado - Dona Doida



DONA DOIDA

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

Adélia Prado


"Neste curta gravado em 2005, Jandira Testa, atriz da Cia de Theatro Fase 3, de Londrina-PR, interpreta o poema Dona Doida, de Adélia Prado, no interior da caixa cênica Orgonizador Paduhélio."

(Nota. Há algumas mudanças no texto.)