domingo, 10 de dezembro de 2023

Clarice Lispector - Um sopro de vida




Ângela

Meu ideal seria pintar um quadro de um quadro.

Vivo tão atribulada que não aperfeiçoei mais o que inventei em matéria de pintura. Ou pelo menos nunca ouvi falar desse modo de pintar: consiste em pegar uma tela de madeira – pinho de riga é a melhor – e prestar atenção às suas nervuras. De súbito, então, vem do subconsciente uma onda de criatividade e a gente se joga nas nervuras acompanhando-as um pouco – mas mantendo a liberdade. Fiz um quadro que saiu assim: um vigoroso cavalo com longa e vasta cabeleira loura no meio de estalactites de uma gruta. É um modo genérico de pintar. E, inclusive, não precisa saber pintar: qualquer pessoa, contanto que não seja inibida demais, pode seguir essa técnica de liberdade. E todos os mortais tem subconsciente.

Você de repente não estranha de ser você?

Eu não sou uma sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade.


Clarice Lispector


Um Sopro de Vida (1970)


(Pintura de Clarice Lispector)