AOS 12 ANOS
(Crónica originalmente escrita para a revista Lux Woman)
Quando a directora me disse que a revista fazia 12 anos, senti uma
espécie de frio na barriga. Ela nem sequer pediu que a crónica fosse
alusiva à data, mas senti-me subitamente a rodopiar numa espécie de
funil que me mergulhou no passado. Num instante lembrei-me que o tempo
existia e senti-me com 12 anos.
Recuei. Voltei à entrada do Liceu de Camões e vi-me sentado numa
carteira manhosa, num anexo meio-improvisado, com uma professora de
inglês a perguntar-me a cor das minhas unhas. Estava na fase da aversão à
água, e o pediatra que os meus pais consultaram terá explicado, numa
onda revolucionária (era ainda o ano de 1976...), que há “uma fase assim
mesmo”, os rapazes não tomam banho. O resultado foi lamentável, uma
vergonha na turma, mas nem por isso impeditivo de alinhar politicamente e
me empenhar nessa guerra já então perdida. Até perceber que aquilo a
que chamavam “centralismo democrático” não era mais do que uma ditadura a
fingir-se de democracia, andei por aquelas bandas todo contente. Mas
não deixava de ter 12 anos. De dia, militante político e fumador dos
primeiros SG-Filtros da vida...
... E depois de noite, em casa, inventando jornais para a família e
criando cidades de Lego onde me imaginava bombeiro. A vida aos 12 anos é
uma enorme confusão, pelo menos para o rapaz que eu fui: num mesmo
universo misturam-se a vontade infantil de brincar com Legos e carrinhos
e a convicção adolescente de que se pode fumar ou beber café, mas
também a paixão assolapada que nos faz sofrer profundamente. Ter 12 anos
é o maior drama de uma existência – ainda não se é mais do que uma
criança, mas já se sente a adolescência e julgamo-nos donos da razão.
Pior é impossível.
O outro lado deste drama é maravilhoso: aos 12 anos, uma paixão é
mais ou menos como correr a maratona e ganhar. Falta-nos em ar o que nos
sobra em felicidade, e a angústia tem um sabor próximo do algodão doce.
A vida corre suavemente sobre os carris dos pais, da escola, e de um
mapa bem desenhado. Ah, e temos muito mais direitos do que obrigações...
Mas há um drama maior quando se tem 12 anos. Chama-se, em psicologia
barata, “a seguir temos 13 anos”. Melhor dito: é quando nos deixam de
desculpar os 12 anos e nos cobram o que há a cobrar. É cair na realidade
e perceber que a idade não apenas não é um posto, como rapidamente
deixa de ser uma desculpa.
Quando, aos quatro anos, a filha mais pequenina de uma amiga diz que
“nasceu na eternidade”, toda a gente ri, é romântico e fica bem. Quando
eu, aos 13 anos, disse aos meus pais que “nasci com o direito a
dedicar-me à política e chumbar o ano por faltas”, não teve graça,
ninguém riu, e foi uma estupidez sem nome. Hoje não me sobram dúvidas: a
vida vive-se ao contrário. Quando se sabe o que antes se devia saber, é
tarde para aplicar o que se aprendeu. E quando nada se sabe e tudo se
julga saber, não há como iluminar a sombra invisível. O que vale é que
nascemos todos iguais: por mais tecnologia, internet e redes sociais que
se criem, ninguém vai saber aos 12 o que devia saber aos 30. Nem o
contrário. E no dia em que a nossa Lux Woman faz 12 anos, há quem esteja
a nascer, há quem esteja a morrer. Mas em nome das velas a apagar, há
quem tenha 12 anos e sofra o pior dia da existência porque não sabe se o
miúdo lá do fundo da sala olhou mesmo, fingiu olhar, sorriu, ou é
aquele perfil do Facebook que lhe pediu amizade. Aos 12 anos, o fim do
mundo é qualquer destas coisas. E é tão bom, não foi?
Pedro Rolo Duarte
(Abril 2013)
Blog de Pedro Rolo Duarte