quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Terras do Demo (Aquilino Ribeiro)



Os longes esfarelavam-se num luaceiro grisalho, como de moinha ao vento; mas, a todo o largo da mirada, a terra descobria-se com os mouchões das leiras a reluzir prateados ao luar e os regos coalhados de tinta negra.

Nas leiras onduladas de morro para morro, o centeal dormia debaixo do codo, a meio as pedras intonsas e impressionantes como cabeças mortas saindo debaixo dum lençol.

As giestas projectavam uma sombra muito escura, o que o levou a notar que a sombra que o seu vulto também projectava era tão retinta e desengonçada como se levasse um fantasma à mão direita.

Não se enxergava vivalma nem de homem, nem de bicho, nem de ser nado que fosse.

Mas, pela lua que caminhava sempre, o sete-estrelo muito rútilo, a rija imobilidade da planície, sentia-se a terra presa a amarras que não quebram nem se rendem.

Aquilino Ribeiro (1885-1963)

Do seu livrro Terras do Demo (1919) 

Aquilino Ribeiro no Instituto Camões e em Vidas Lusófona