segunda-feira, 18 de agosto de 2025

David Mourão-Ferreira - «É o centro do mundo É o reino de Apolo...»

 


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                                                    Delfos

É o centro do mundo   É o reino de Apolo
Quem foi que pôs aqui Afrodite em blue-jeans
subindo o anfiteatro ao encontro do Sol
depondo na penumbra o esplendor das ruínas

Como galga os degraus   Lá em cima é o estádio
Eu encosto o ouvido ao umbigo da Terra
É para mim agora a sentença do oráculo
que sem eu perguntar me responde Mulher

Mas sei   dentro de mim  e sei que não me iludo
Que vim dizer adeus à minha juventude

David Mourão-Ferreira


Quarto poema de "Jogos de água" em Do Tempo ao Coração (1966)



(Fotografia de Theodorus Yerarides - Templo de Apolo en Delfos)


segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Jorge de Lima - Poema do nadador

 


POEMA DO NADADOR

A agua é falsa, a agua é boa.
Nada, nadador!
A água é mansa, a água é doida,
aqui é fria, ali é morna,
a agua é fêmea.
Nada, nadador!
A água sobe, a água desce,
a água é mansa, a água é doida.
Nada, nadador!
A água te lambe, a água te abraça,
a água te leva, a água te mata.
Nada, nadador!
Senão, que restará de ti, nadador?
Nada, nadador.

Jorge de Lima


Poemas Escolhidos (1925 a 1930)


(Fotografia de Nino Migliori - Il tuffatore, 1951)


quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Luíza Neto Jorge - As Casas (I)

 


AS CASAS

I



As casas vieram de noite
De manhã são casas
À noite estendem os braços para o alto
fumegam vão partir

Fecham os olhos
percorrem grandes distâncias
como nuvens ou navios

As casas fluem de noite
sob a maré dos rios

São altamente mais dóceis
que as crianças
Dentro do estuque se fecham
pensativas

Tentam falar bem claro
no silêncio
com sua voz de telhas inclinadas

Luíza Neto Jorge



(Fotografia de César Augusto V.R.)


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Fiama Hasse Pais Brandão - Tâmara

 


TÂMARA

Pura circunstância trazerem-me
num cesto levíssimo as tâmaras.
Com a boca peso três sílabas.
Com os olhos sou ávida.
Com as mãos repouso e saboreio
os frutos translúcidos.

Fiama Hasse Pais Brandão


Obra Breve  (1991)




(Fotografia de Aina Vidal)

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Cruz e Sousa - Seios



Seios

Magnólias tropicais, frutos cheirosos
das arvores do Mal fascinadoras,
das negras mancenilhas tentadoras,
dos vagos narcotismos venenosos.

Oasis brancos e miraculosos
das frementes volúpias pecadoras
nas paragens fatais, aterradoras
do Tédio, nos desertos tenebrosos…

Seios de aroma embriagador e langue,
da aurora de ouro do esplendor do sangue,
a alma de sensações tantalizando.

Ó seios virginais, talamos vivos,
onde do amor nos êxtases lascivos
velhos faunos febris dormem sonhando…

Cruz e Sousa


João da Cruz e Sousa (1861 - 1898) foi um poeta brasileiro. Com a alcunha de Dante Negro ou Cisne Negro, foi um dos principais representantes do simbolismo no Brasil.

Segundo Antônio Cândido, Cruz e Sousa foi o "único escritor eminente de pura raça negra na literatura brasileira, onde são numerosos os mestiços".



(Fotografia de Rodrigo Valença - Aninha, Recife)


segunda-feira, 28 de julho de 2025

Carlos Nejar - A idade

 


A IDADE

Falou e disse um pássaro,
dois sóis, uma pequena estrela.
Falou para que calássemos
e disse amor, penúria, brevidade.
E disse disse disse
a idade da eternidade.

Carlos Nejar
(Porto Alegre, 1939)


Antologia de poesia contemporânea brasileira, Alma Azul, 2000



(Fotografia de © Harry Firmo, Silhueta, 2013)


sexta-feira, 25 de julho de 2025

Eduardo Pitta - “A vida é uma ferida?…”

 


A vida é uma ferida?
O coração lateja?
O sangue é uma parede cega?
E se tudo, de repente?

Eduardo Pitta


(Blogue de Eduardo Pitta, Da literatura - 25 de julho de 2023)



(Fotografía de Galba)