1.
    Catar feijão se limita com escrever:
    Jogam-se os grãos na água do alguidar
    E as palavras na folha de papel;
    e depois, joga-se fora o que boiar.
    Certo, toda palavra boiará no papel,
    água congelada, por chumbo seu verbo;
    pois catar esse feijão, soprar nele,
    e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
    2.
    Ora, nesse catar feijão entra um risco,
    o de que, entre os grãos pesados, entre
    um grão imastigável, de quebrar dente.
    Certo não, quando ao catar palavras:
    a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
    obstrui a leitura fluviante, flutual,
    açula a atenção, isca-a com risco.
1965
João Cabral de Melo Neto
"O belíssimo Catar feijão pertence ao livro A educação pela pedra,
 que foi publicado em 1965. O poema, dividido em duas partes, tem como 
tema central o ato criador, o processo de composição por trás da 
escrita.
Ao longo dos versos, o poeta desvenda para o leitor como é a sua 
maneira pessoal de construir um poema, desde a escolha das palavras até a
 combinação do texto para construir os versos.
Pela delicadeza do poema percebemos que o ofício do poeta tem também 
qualquer coisa do trabalho do artesão. Ambos exercitam o ofício com zelo
 e paciência, em busca da melhor combinação para a criação de uma peça 
única e bela."
Fonte: Cultura genial
(Fotografia de Roberto Guerra, Feijão guandu)