tag:blogger.com,1999:blog-90502142884216473292024-03-18T00:30:31.920+01:00UM REINO MARAVILHOSOPOESIA (e mais) de que gostoUnknownnoreply@blogger.comBlogger1084125tag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-44233531596862166362024-03-18T00:30:00.001+01:002024-03-18T00:30:00.146+01:00José Tolentino Mendonça - A Estrela<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5iYM-RL_L4JqlwAlnUkWRVzW3OR4TSjpLqNt8tJsLiXW79uZKdQ_cdb2FCScowtn6mlmDuv1rQQHFFR2d7tXJwhrrxJWhsTmvUBY1JJM5KKFeoxrjTwLcCd68Kz8H5NsrmfFPWnktxr48wpSjwV2Ua9o5g7RWMrnJgQ_i-MJ1PsCKl7bMMO7C2JBOVwu1/s800/3183722466_f8f4e90231_c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="533" data-original-width="800" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5iYM-RL_L4JqlwAlnUkWRVzW3OR4TSjpLqNt8tJsLiXW79uZKdQ_cdb2FCScowtn6mlmDuv1rQQHFFR2d7tXJwhrrxJWhsTmvUBY1JJM5KKFeoxrjTwLcCd68Kz8H5NsrmfFPWnktxr48wpSjwV2Ua9o5g7RWMrnJgQ_i-MJ1PsCKl7bMMO7C2JBOVwu1/w400-h266/3183722466_f8f4e90231_c.jpg" width="400" /></a></div><p style="text-align: center;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><b>A ESTRELA
</b><br /> <br />
Precisamos de uma estrela que desarme a noite <br />
Precisamos de uma palavra transparente <br />
que nos ofereça a possibilidade de um começo <br />
Precisamos de uma esperança que se propague <br />
Precisamos de lugares límpidos <br />
fora e dentro de nós <br />
Precisamos de reencontrar uma vida onde a prece <br />
e o louvor voltem a ser possíveis <br />
Precisamos de um gesto para dizer uma alegria <br />
maior do que a alegria <br />
Precisamos de acolher o dom <br />
e o seu equilíbrio difícil e leve <br />
Precisamos de alguém que em pleno inverno nos ensine <br />
a trazer no coração a primavera a arder <br />
<br /><b>
José Tolentino Mendonça </b><br /> <br /> <br /><br />
<br /><br /> (Fotografia de Antonio Fonseca - <i>Noite alta, céu risonho</i>, 2008)<br /> <br /></p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-9240747829854074862024-03-11T00:00:00.000+01:002024-03-11T00:00:00.128+01:00Manuel da Fonseca - Maltês<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4FGCMFEulxgn7xwE8wvM2HplnLt0m2J3UrOxqopei5uzIqP42pXOa7m154rYKQXPRdaaOjsXmUxV2DH34jVlkWuO75d7S7Avw8LrauVbdq2vP7P3nudMuFw6wQZvQ_b7-Ba1DevZ8FSQi0tkxxzJRjOC8OvKgzLD_yrpqES6Ar33knUGdsAlt7xw4J45M/s800/6875626117_164539a4c8_c.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="530" data-original-width="800" height="265" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4FGCMFEulxgn7xwE8wvM2HplnLt0m2J3UrOxqopei5uzIqP42pXOa7m154rYKQXPRdaaOjsXmUxV2DH34jVlkWuO75d7S7Avw8LrauVbdq2vP7P3nudMuFw6wQZvQ_b7-Ba1DevZ8FSQi0tkxxzJRjOC8OvKgzLD_yrpqES6Ar33knUGdsAlt7xw4J45M/w400-h265/6875626117_164539a4c8_c.jpg" width="400" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><br /></div>
<b><br /></b>
<div style="text-align: justify;">
<b>MALTÊS</b><br />
<br />
I<br />
<br />
Em Cerromaior nasci.<br />
<br />
Depois, quando as forças deram<br />
para andar, desci ao largo.<br />
Depois, tomei os caminhos<br />
que havia e mais outros que<br />
depois desses eu sabia.<br />
<br />
E tanto já me afastei<br />
dos caminhos que fizeram,<br />
que de vós todos perdido<br />
vou descobrindo esses outros<br />
caminhos que só eu sei.<br />
<br />
<br />
II<br />
<br />
Veio a guarda com a lei<br />
no cano das carabinas.<br />
<br />
Cercaram-me num montado;<br />
puseram joelho em terra;<br />
gritaram que me rendesse<br />
à lei dos caminhos feitos.<br />
Mas eu olhei-os de longe,<br />
tão distante e tão de longe,<br />
o rosto apenas virado,<br />
que só vi em meu redor<br />
dez pobres ajoelhados<br />
perante mim, seu senhor.<br />
<br />
<br />
III<br />
<br />
Chegou gente às janelas,<br />
saíram homens à rua:<br />
‑ as mães chamaram os filhos,<br />
bateram portas fechadas!<br />
<br />
E eu, o desconhecido,<br />
o vagabundo rasgado,<br />
entrei o largo da vila<br />
entre dez guardas armados;<br />
‑ mais temido e mais amado<br />
que o deus a que todos rezam.<br />
<br />
‑ Que nunca mulher alguma<br />
se rendeu mais a um homem<br />
que a moça do rosto claro<br />
ao cruzar os olhos pretos<br />
com o meu olhar de rei!<br />
<br />
<br />
IV<br /><br />
... E, vendo que eu lhes fugia<br />
assim de altiva maneira<br />
à sua lei decorada,<br />
lá,<br />
longe do sol e da vida,<br />
no fundo duma cadeia,<br />
cheios de raiva me bateram.<br />
Inanimado,<br />
tombei por fim a um canto.<br />
<br />
E enquanto eles redobravam<br />
sobre o meu corpo tombado,<br />
adormecido<br />
eu descansava<br />
de tão longa caminhada!...<br />
<br />
<b>Manuel da Fonseca</b>, in <i>Planície</i>, 1941<br />
<br />
<br />
(Texto em <a href="http://folhadepoesia.blogspot.com.es/2013/09/cancao-do-maltes-manuel-da-fonseca.html"><i>Folha de Poesia</i></a>)</div>
<br /><br /><br /><br />
(<i>Cerromaior</i>, fotografia de Aires Almeida)
<br />
<br /><div><br /></div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-62441413730127784142024-03-04T00:05:00.001+01:002024-03-07T15:53:23.401+01:00Rui Knopfli - Progresso<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrpVaV1kOM9qsYnfJbqpL7yuhsxNJof5e1uzfHikmGw8VcO9QWVWRl0kt42TJ5t96PpT7JL1giqPp986qzaknHVOIZbeS7e7SqUxK-y7YoY_Nz9n4YxGarwgt_gw0bsAOOK_FFqHLKBiazBbyc2Vbd5t6-HRDWRzQViobeoi-lbev5yYEimO3Yx8jzcFBi/s800/Natalie%20Goes%20-%20Acropolis,%202011.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="532" data-original-width="800" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhrpVaV1kOM9qsYnfJbqpL7yuhsxNJof5e1uzfHikmGw8VcO9QWVWRl0kt42TJ5t96PpT7JL1giqPp986qzaknHVOIZbeS7e7SqUxK-y7YoY_Nz9n4YxGarwgt_gw0bsAOOK_FFqHLKBiazBbyc2Vbd5t6-HRDWRzQViobeoi-lbev5yYEimO3Yx8jzcFBi/w400-h266/Natalie%20Goes%20-%20Acropolis,%202011.jpg" width="400" /></a></div><p><br /></p><p style="text-align: justify;"><b>PROGRESSO
</b><br /><br />
Estamos nus como os gregos na Acrópole <br />e o sol que nos mira também os fitou. <br />Mas fazemos amor de relógio no pulso.<br /><br /><b>Rui Knopfli</b><br /><br /><br />De <i>O Passo Trocado</i>, em <i>Mangas Verdes com Sal</i> (1969)<br /><br /><br /></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">(Fotografía de Natalie Goes - <i>Acropolis</i>, 2011)</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-43107360572407517262024-02-26T00:30:00.001+01:002024-02-26T00:30:00.128+01:00Fernando Pessoa / Bernardo Soares - "Quando vim primeiro para Lisboa, havia, no andar lá de cima..."<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Quando vim primeiro para Lisboa, havia, no andar lá de cima de onde morávamos, um som de piano tocado em escalas, aprendizagem monótona da menina que nunca vi. Descubro hoje que, por processos de infiltração que desconheço, tenho ainda nas caves da alma, audíveis se abrem a porta lá de baixo, as escalas repetidas, tecladas, da menina hoje senhora outra, ou morta e fechada num lugar branco onde verdejam negros os ciprestes.
<br />
<br />
Era eu criança, e hoje não o sou; o som, porém, é igual na recordação ao que era na verdade, e tem, perenemente presente, se se ergue de onde finge que dorme, a mesma lenta teclagem, a mesma rítmica monotonia. Invade-me, de o considerar ou sentir, uma tristeza difusa, angustiosa, minha.
<br />
<br />
Não choro a perda da minha infância; choro que tudo, e nele a (minha) infância, se perca. É a fuga abstracta do tempo, não a fuga concreta do tempo que é meu, que me dói no cerebro físico pela recorrência repetida, involuntária, das escalas do piano lá de cima, terrivelmente anónimo e longínquo. É todo o mistério de que nada dura que martela repetidamente coisas que não chegam a ser música, mas são saudade, no fundo absurdo da minha recordação.
<br />
<br />
Insensivelmente, num erguer visual, vejo a saleta que nunca vi, onde a aprendiza que não conheci está ainda hoje relatando, dedo a dedo cuidados, as escalas sempre iguais do que já está morto. Vejo, vou vendo mais, reconstruo vendo. E todo o lar lá do andar lá de cima, saudoso hoje mas não ontem, vem erguendo-se fictício da minha contemplação desentendida.
<br />
<br />
Suponho, porém, que nisto tudo sou translato, que a saudade que sinto não é bem minha, nem bem abstracta, mas a emoção interceptada de não sei que terceiro, a quem estas emoções, que em mim são literárias, fossem, — di-lo-ia Vieira — literais. É na minha suposição de sentir que me magoo e angustio, e as saudades, a cuja sensação se me mareiam os olhos próprios, é por imaginação e outridade que as penso e sinto.
<br />
<br />
E sempre, com uma constância que vem do fundo do mundo, com uma persistência que estuda metafisicamente, soam, soam, soam, as escalas de quem aprende piano, pela espinha dorsal física da minha recordação. São as ruas antigas com outra gente, hoje as mesmas ruas diversas; são pessoas mortas que me estão falando, através da transparência da falta delas hoje; são remorsos do que fiz ou não fiz, sons de regatos na noite, ruídos lá em baixo na casa queda.
<br />
<br />
Tenho ganas de gritar dentro da cabeça. Quero parar, esmagar, partir esse impossível disco gramofónico que soa dentro de mim em casa alheia, torturador intangível. Quero mandar para a alma, para que ela, como veículo que me ocupassem, siga para diante só e me deixe. Endoideço de ter que ouvir. E por fim sou eu, no meu cérebro directamente sensível, na minha pele arrepiada, nos meus nervos postos à superfície, as teclas tecladas em escalas, ó piano horroroso e pessoal da nossa recordação.
<br />
<br />
E sempre, sempre, como que numa parte do cérebro que se tornasse independente, soam, soam, soam as escalas lá em baixo lá em cima da primeira casa de Lisboa onde vim habitar.<br />
<br />
<b>Fernando Pessoa</b><br />
<br />
<br /><i>
Livro do desassossego</i>, de Bernardo Soares<br />
<br />
https://ldod.uc.pt/fragments/fragment/Fr247/inter/Fr247_WIT_ED_CRIT_Z<br />
<br />
<br />
</div>
<br />
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-62526794246476544482024-02-19T00:03:00.000+01:002024-02-19T00:03:00.200+01:00Herberto Helder - “Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios...”<div style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwM55G_k_c6gO1eElBZylKF84traS3lgv1GJWgNX-5F0LUtxtYEUngTBE-XtYzV1CHMyP48I85UsWOr29tNGCSQGlseJ8BUt4AyR8w9CvDbRZZEJ5Pjm6BenNkmmfdQShkHhWnIGP3NvT9QhfRURdvSJMyjMlSX-WrhNbbWB7u9xDWbkr499IMvlamOw/s800/Gerbe%20po%20the%20lke.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="800" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwM55G_k_c6gO1eElBZylKF84traS3lgv1GJWgNX-5F0LUtxtYEUngTBE-XtYzV1CHMyP48I85UsWOr29tNGCSQGlseJ8BUt4AyR8w9CvDbRZZEJ5Pjm6BenNkmmfdQShkHhWnIGP3NvT9QhfRURdvSJMyjMlSX-WrhNbbWB7u9xDWbkr499IMvlamOw/w400-h300/Gerbe%20po%20the%20lke.jpg" width="400" /></a></div><br /><div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,<br />
quando alguém morria perguntavam apenas:<br />
tinha paixão?<br />
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:<br />
se tinha paixão pelas coisas gerais,<br />
água,<br />
música,<br />
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,<br />
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,<br />
paixão pela paixão,<br />
tinha?<br />
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,<br />
se posso morrer gregamente,<br />
que paixão?<br />
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,<br />
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,<br />
homens e mulheres perdem a aura<br />
na usura,<br />
na política,<br />
no comércio,<br />
na indústria,<br />
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,<br />
trémulos objectos entrando e saindo<br />
dos dez tão poucos dedos para tantos<br />
objectos do mundo<br />
e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,<br />
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,<br />
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,<br />
palavra soprada a que forno com que fôlego,<br />
que alguém perguntasse: tinha paixão?<br />
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,<br />
ponham muito alto a música e que eu dance,<br />
fluido, infindável,<br />
apanhado por toda a luz antiga e moderna,<br />
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a paixão<br />
e eu me perdesse nela<br />
a paixão grega<br /><br />
<b>Herberto Helder
</b><br /><br /><br />
<i>A Faca Não Corta o Fogo</i>. Assírio & Alvim, Lisboa: 2008.</div><div style="text-align: justify;"><br /><br /></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"><br />(Gerben of the Lake - Greece, Hermes by Praxitiles, Olympia)<br />
<br /></div>
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-35740668411596472912024-02-15T12:00:00.001+01:002024-02-15T12:00:00.135+01:00Carlos Drummond de Andrade - Moça e soldado<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBgG4N0zkGpyDnmI5jMiiJGpcBeJeIWXQD6tQ98Lp5UNYNNspIaozBvuuSwIHIcmF2ZmQdB7RLfff0Kyr4qDZoPhfuYLpUkoAAbvDQRQbYhwT2cPMZE9bdKRJnQHQmZE3JzXzIaDZG75hb2tw7Ol5letswW_MPxVXKm1WrfYhn4P_ULpjWp4JG6b74e5cP/s800/2459292061_9ba8a77316_c.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="800" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBgG4N0zkGpyDnmI5jMiiJGpcBeJeIWXQD6tQ98Lp5UNYNNspIaozBvuuSwIHIcmF2ZmQdB7RLfff0Kyr4qDZoPhfuYLpUkoAAbvDQRQbYhwT2cPMZE9bdKRJnQHQmZE3JzXzIaDZG75hb2tw7Ol5letswW_MPxVXKm1WrfYhn4P_ULpjWp4JG6b74e5cP/w400-h300/2459292061_9ba8a77316_c.jpg" width="400" /></a></div><p></p><p style="text-align: justify;"><b><br /></b></p><p style="text-align: justify;"><b><br /></b></p><p style="text-align: justify;"><b>MOÇA E SOLDADO</b></p><p style="text-align: justify;">
Meus olhos espiam a rua que passa.<br />
Passam mulheres, passam soldados,<br />
Moça bonita foi feita para namorar.<br />
Soldado barbudo foi feito para brigar.<br />
<br />
Meus olhos espiam as pernas que passam,<br />
Nem todas são grossas... Meus olhos espiam.<br />
Passam soldados, mas todas são pernas, meus olhos espiam,<br />
<br />
Tambores, clarins e pernas que passam,<br />
Meus olhos espiam<br />
<br />
Soldados que marcham, moças bonitas<br />
Soldados barbudos<br />
...para namorar, para brigar.<br /> <br />
Só eu não brigo, só eu não namoro.<br />
<br /><b>Carlos Drummond de Andrade</b><br /> <br /><br /><i>Alguma poesia </i>(1930)</p><p style="text-align: justify;"><br /><br /><i>
Alguma poesia</i> (1930)
<br />
</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">(Fotografia de Carlos A. De S.)</p>
<br /><br /><br /><br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-70977698953089256162024-02-12T00:10:00.002+01:002024-02-12T16:08:55.999+01:00Manuel Bandeira - Arlequinada<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEim4RoC4guCiqY6MQxf0VBBbRdhtL_DZWdIE9Z1kWTgG6d3rJFndaRiQA1d3WMeiUx5SounpcIHgTdSDrwzj0P-rdrocwFKI3BeaUlrsdng2ybHvNITTNreZygdrLCQ__tGGcaNMFyqJKhCET1FyPs75b5Q41nbigK0WOaYwX2ex0-jAGDcrJ0R51-GpaHN/s800/105625360_1bc62c6456_c.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="600" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEim4RoC4guCiqY6MQxf0VBBbRdhtL_DZWdIE9Z1kWTgG6d3rJFndaRiQA1d3WMeiUx5SounpcIHgTdSDrwzj0P-rdrocwFKI3BeaUlrsdng2ybHvNITTNreZygdrLCQ__tGGcaNMFyqJKhCET1FyPs75b5Q41nbigK0WOaYwX2ex0-jAGDcrJ0R51-GpaHN/w300-h400/105625360_1bc62c6456_c.jpg" width="300" /></a></div><p><br /></p><p style="text-align: justify;"><b>ARLEQUINADA</b><br /><br />
Que idade tens, Colombina?<br />
Será a idade que pareces?<br />
Tivesses a que tivesses!<br />
Tu para mim és menina.<br />
<br />
Que exíguo o teu talhe! E penso:<br />
Cambraia pouca precisa:<br />
Pode ser toda num lenço<br />
Cortada a tua camisa.<br />
<br />
Teus seios têm treze anos.<br />
Dão os dois uma mancheia...<br />
E essa inocência incendeia,<br />
Faz cinza de desenganos...<br />
<br />
O teu pequenino queixo<br />
- Símbolo do teu capricho -<br />
É dele que mais me queixo,<br />
Que por ele assim me espicho!<br />
<br />
Tua cabeleira rara<br />
Também ela é de criança:<br />
Dará uma escassa trança,<br />
Onde mal me estrangulara!<br /><br /><b>Manuel Bandeira </b></p>
<br /><br /><br />
(Fotografia de Carlos A De S - <i>Colombina</i>, 2006)<br /><br />
<p style="text-align: justify;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-82512528561599703442024-02-10T12:00:00.001+01:002024-02-10T12:00:00.143+01:00Ferreira Gullar - Dois poetas na praia<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-hGxm6VCJ6jI/YB1oj6PVMNI/AAAAAAAAoIs/w09MoS4bExEns8bgEZkFyZJICPwDsktWQCLcBGAsYHQ/s640/1583394183_c795db0f20_z.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="427" data-original-width="640" height="268" src="https://1.bp.blogspot.com/-hGxm6VCJ6jI/YB1oj6PVMNI/AAAAAAAAoIs/w09MoS4bExEns8bgEZkFyZJICPwDsktWQCLcBGAsYHQ/w400-h268/1583394183_c795db0f20_z.jpg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td></tr></tbody></table><br /><p></p><p style="text-align: justify;"><b>DOIS POETAS NA PRAIA</b><br /><br />
É carnaval,<br />
a terra treme:<br />
um casal de poetas conversa<br />
na praia do Leme!<br />
<br />
Falam os dois de poesia<br />
e dos banhistas<br />
que nunca lerão Drummond nem Mallarmé.<br />
– E lerão o meu poema?<br />
pergunta ela.<br />
– Alguém vai ler.<br />
– Pois mesmo que não leia<br />
não vou deixar de dizer<br />
o que vejo nesta areia<br />
que eles pisam sem ver.<br />
<br />
E o poeta mais velho<br />
sorri confortado:<br />
a poesia está ali<br />
renascida a seu lado.<br />
<br /><b>Ferreira Gullar
</b><br /><br /><br />Lido no blogue de António Cícero, <a href="http://antoniocicero.blogspot.com/2017/04/ferreira-gullar-dois-poetas-na-praia.html" target="_blank"><i>Acontecimentos</i></a>.<br /></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">(<span style="text-align: center;">Praia do Leme. Fotografia de Juca Filho)</span></p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-44744502142168136692024-02-07T19:26:00.001+01:002024-02-07T19:26:08.046+01:00Camilo Pessanha - “Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho...”<div style="text-align: center;">
<iframe width="560" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/7kGYSALgWRc?si=g0u-UCDQFKUPkGQO" title="YouTube video player" frameborder="0" allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen></iframe>
<br /></div>
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,<br />
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?<br />
Do meu jardim exíguo os altos girassóis<br />
Quem foi que os arrancou e lançou no caminho?<br />
<br />
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)<br />
A mesa de eu cear, - tábua tosca de pinho?<br />
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?<br />
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...<br />
<br />
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova.<br />
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...<br />
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.<br />
<br />
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais,<br />
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,<br />
De noite a mendigar às portas dos casais.<br />
<br />
<b>Camilo Pessanha
</b><br />
<br />
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-10684411226989311402024-01-29T15:03:00.001+01:002024-01-29T15:03:15.016+01:00Murilo Mendes - Mulher<p style="text-align: center;"> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEk2HggiYbf8zAR_7eFi-7LMA4bZrMRIuzrmmK_XrphePZIs2fQ6FAK1Tebe_h9ihRgPUg2GUMdUYrXOvDSh9BRxmL21ozJm8AF_xOuxW42_PgoONzivbwdcVAR3Ogrxiaw7zGwytkCCqOWbklN5ElC7ULMDeo17w1uo26PkSWiYvjEbySfg0lfrvx97w4/s799/33068509598_496f55cfe7_c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="533" data-original-width="799" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEk2HggiYbf8zAR_7eFi-7LMA4bZrMRIuzrmmK_XrphePZIs2fQ6FAK1Tebe_h9ihRgPUg2GUMdUYrXOvDSh9BRxmL21ozJm8AF_xOuxW42_PgoONzivbwdcVAR3Ogrxiaw7zGwytkCCqOWbklN5ElC7ULMDeo17w1uo26PkSWiYvjEbySfg0lfrvx97w4/w400-h266/33068509598_496f55cfe7_c.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;"><b>
MULHER </b><br /> <br />
Mulher, o mais terrível e vivo dos espectros, <br />
Por que te alimentas de mim desde o princípio? <br />
Em ti encontro as imagens da criação: <br />
És pássaro, és flor, pedra e onda variável... <br />
Mais que tudo, a nuvem que volta e se consome. <br />
Dormir, sonhar - que adianta, se tu existes? <br />
Se fostes forma somente! és idéia também. <br />
Ah, quando descerá sobre mim a paz antiga. <br />
<br /><b>
Murilo Mendes </b><br />
(1901-1975) <br />
<br /> <br /> <br /><br /></p><p style="text-align: justify;">(Fotografia de Márcia Valle)</p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-33476021460227103702024-01-22T00:05:00.000+01:002024-01-22T00:05:00.254+01:00João Guimarães Rosa - Cantada<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZtKgThGyKGNP0Kr_8dUeZr-qhGe1AiEh7MQ9ojE_evgP4NtsJxjiGlfeRytlPiC4wanx5333dFM0V2qg48k7sxnrnioYBmWzYiOAwVsmzepF_RF1nyIRmOIwS5lOVnqPK0TSAWCAr5h3nv0yrCh5czgWX76-VX2EsU_jWs_173ozz1BEs_g4T0sY4SA/s1032/IMG_0764.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1032" data-original-width="750" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZtKgThGyKGNP0Kr_8dUeZr-qhGe1AiEh7MQ9ojE_evgP4NtsJxjiGlfeRytlPiC4wanx5333dFM0V2qg48k7sxnrnioYBmWzYiOAwVsmzepF_RF1nyIRmOIwS5lOVnqPK0TSAWCAr5h3nv0yrCh5czgWX76-VX2EsU_jWs_173ozz1BEs_g4T0sY4SA/w291-h400/IMG_0764.jpeg" width="291" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;"><b>
CANTADA</b>
<br /><br />
Caso contigo, Carmela,<br />
caso cumpras condição.<br />
Cobrarei casa, comida,<br />
cama, cavalo, canção,<br />
carinho, cobres, cachaça,<br />
carnaval camaradão,<br />
casino (com conta certa)<br />
cerveja, coleira e cão,<br />
chevrolé cinco cilindros,<br />
canja e consideração,<br />
calista, cabeleireiro,<br />
cinema, calefação,<br />
chá, café, confeitaria,<br />
chocolate, chimarrão,<br />
casemira - cinco cortes,<br />
cada compra - comissão,<br />
conforto, comodidades,<br />
cachimbo, calma… caixão.<br />
Convém-te, cara Carmela?<br />
Cherubim!… Consolação!…<br />
(Caso contrário, cabaças!,<br />
casarei com Conceição.)<br />
<br />
Caso contigo, Carmela,<br />
correndo, com coração!…<br />
<br />
—————————–
<br /><br />
Chega. Caceteei? Consola-te:<br />
Concluí.<br />
Com cordial, comovido:<br />
Colega, constante camarada,<br />
a) J. Guimarães Rosa<br />
(Cônsul, Capitão, Clínico conceituado.)<br />
<br /><br /><b>João Guimarães Rosa</b><br /><br /><br /><br /><br />
(Caricatura de Mateus Barbosa)</p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-11608608003044348212024-01-15T00:10:00.001+01:002024-01-15T00:10:00.135+01:00Pedro Mexia - Pó<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYO2J3E9cU_3mWgjxK7WW58CG1Hb-iv-E5EiwE6mwJlLzwVKIfF8qwFLS-KaON1Fpi8hZNdacyTaLk7Ch-dc5PhtlhyQ9V7UcB03Nqcp_pLYmWv8IYckYvEXp_uc1nDiKCt4J1Gr7vhkehmRZFS-JJ_o2WSSQWYXSQ8B5KMIYAnyS8xI9B6TTQVmkXrCTP/s800/14228963837_2a7ff40ef7_c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="536" data-original-width="800" height="268" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYO2J3E9cU_3mWgjxK7WW58CG1Hb-iv-E5EiwE6mwJlLzwVKIfF8qwFLS-KaON1Fpi8hZNdacyTaLk7Ch-dc5PhtlhyQ9V7UcB03Nqcp_pLYmWv8IYckYvEXp_uc1nDiKCt4J1Gr7vhkehmRZFS-JJ_o2WSSQWYXSQ8B5KMIYAnyS8xI9B6TTQVmkXrCTP/w400-h268/14228963837_2a7ff40ef7_c.jpg" width="400" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><br /></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<b>PÓ</b><br />
<br />
Nas estantes os livros ficam<br />
(até se dispersarem ou desfazerem)<br />
enquanto tudo<br />
passa. O pó acumula-se<br />
e depois de limpo<br />
torna a acumular-se<br />
no cimo das lombadas.<br />
Quando a cidade está suja<br />
(obras, carros, poeiras)<br />
o pó é mais negro e por vezes<br />
espesso. Os livros ficam,<br />
valem mais que tudo,<br />
mas apesar do amor<br />
(amor das coisas mudas<br />
que sussurram)<br />
e do cuidado doméstico<br />
fica sempre, em baixo,<br />
do lado oposto à lombada,<br />
uma pequena marca negra<br />
do pó nas páginas.<br />
A marca faz parte dos livros.<br />
Estão marcados. Nós também.<br />
<br />
<b>Pedro Mexia</b></div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>Duplo Império </i>(1999)<br /><br /><br />
<br />
(Fotografia: Isografia, S. Paulo)
<br /><br /><br />
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-21533261061848234052024-01-08T00:05:00.001+01:002024-01-08T00:05:00.131+01:00Yvette K. Centeno - A Casa<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0h8nV-7swELGAQykJS7aVYs3Jh80frCbsAOPvSpiJcDJg4_Bwj99rOiIgL9pLhG23xMkESOhYjiv3y_jC96TO8ypDfUCZBwdmpex0m10C35q3J6PViRwWXm96C4-w7C5X7hsnkPDvP_xv4D0Ci1SPQmamDGYWnUzBPMGBso0DIvBqNp9RAZa3nVjyoQ/s800/5146729621_6e92b40526_c.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="778" data-original-width="800" height="389" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0h8nV-7swELGAQykJS7aVYs3Jh80frCbsAOPvSpiJcDJg4_Bwj99rOiIgL9pLhG23xMkESOhYjiv3y_jC96TO8ypDfUCZBwdmpex0m10C35q3J6PViRwWXm96C4-w7C5X7hsnkPDvP_xv4D0Ci1SPQmamDGYWnUzBPMGBso0DIvBqNp9RAZa3nVjyoQ/w400-h389/5146729621_6e92b40526_c.jpg" width="400" /></a></div><br /><p></p><p><br /></p><p><b>A CASA</b></p><p style="-webkit-text-size-adjust: 100%; border: 0px; caret-color: rgb(17, 17, 17); color: #111111; font-family: Alegreya, serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 1.8em; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Distraídos não víamos<br />a casa a envelhecer connosco<br />e no entanto a casa envelhecia:<br />tinha dores<br />achaques<br />tropeções<br />incómodos pequenos<br />lâmpada que falhava<br />e uma ou outra coisa,<br />vertigem passageira.</p><p style="-webkit-text-size-adjust: 100%; border: 0px; caret-color: rgb(17, 17, 17); color: #111111; font-family: Alegreya, serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 1.8em; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Assim corria o tempo<br />em pequenos derrames<br />que a todos por dentro<br />corroíam: a casa e com ela<br />as portas que rangiam<br />e umas résteas de luz<br />já quase a apagar-se.</p><p style="-webkit-text-size-adjust: 100%; border: 0px; caret-color: rgb(17, 17, 17); color: #111111; font-family: Alegreya, serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 1.8em; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">A casa não andava<br />a casa já não via,<br />e nós ainda achávamos<br />que era coisa ligeira.</p><p style="-webkit-text-size-adjust: 100%; border: 0px; caret-color: rgb(17, 17, 17); color: #111111; font-family: Alegreya, serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 1.8em; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Não tem mal, dizíamos,<br />quando chegasse a hora<br />umas velas acesas,<br />candeeiros de avó<br />sem perigo de incêndio:<br />a casa envelhecida<br />sempre estaria ali,<br />sempre resistiria.</p><p style="-webkit-text-size-adjust: 100%; border: 0px; caret-color: rgb(17, 17, 17); color: #111111; font-family: Alegreya, serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 1.8em; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Sem dar por isso<br />o nosso envelhecer<br />ali juntos, fechados,<br />embora já morrendo<br />seria a última prova<br />de um grande amor<br />vivido<br />o dessa casa antiga<br />às vezes ainda rindo,<br />outras vezes zangada,<br />mas dividindo connosco<br />o tempo que faltava</p><p style="-webkit-text-size-adjust: 100%; border: 0px; caret-color: rgb(17, 17, 17); color: #111111; font-family: Alegreya, serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 1.8em; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"> <b>Yvette K. Centeno</b></p><p style="-webkit-text-size-adjust: 100%; border: 0px; caret-color: rgb(17, 17, 17); color: #111111; font-family: Alegreya, serif; font-size: 19px; margin: 0px 0px 1.8em; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><span style="font-family: inherit; font-style: italic;">Lisboa, 2018</span></p><p>(Poema inédito, <a href="https://poesiavimbuscarte.blog/2021/10/29/░-a-casa/" target="_blank">aqui</a>)</p><p><br /></p><p style="text-align: justify;"><a href="https://observador.pt/2018/08/12/yvette-k-centeno-mesmo-emocionada-nao-tenho-lugar-para-a-lamechice/" target="_blank">Yvette K. Centeno: "Mesmo emocionada não tenho lugar para a lamechice"</a> (<i>Observador</i>, 12 ago. 2018)</p><p><br /></p><p><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-15217693426768577602024-01-04T17:07:00.001+01:002024-01-04T17:07:05.822+01:00Alexandre O'Neill - Portugal<div style="text-align: center;">
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube-nocookie.com/embed/dZvS7Po3v6g?rel=0" width="560"></iframe>
</div>
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<b>PORTUGAL</b><br />
<br />
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,<br />
linda vista para o mar,<br />
Minho verde, Algarve de cal,<br />
jerico rapando o espinhaço da terra,<br />
surdo e miudinho,<br />
moinho a braços com um vento<br />
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,<br />
se fosses só o sal, o sol, o sul,<br />
o ladino pardal,<br />
o manso boi coloquial,<br />
a rechinante sardinha,<br />
a desancada varina,<br />
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,<br />
a muda queixa amendoada<br />
duns olhos pestanítidos,<br />
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,<br />
o ferrugento cão asmático das praias,<br />
o grilo engaiolado, a grila no lábio,<br />
o calendário na parede, o emblema na lapela, <br />
ó Portugal, se fosses só três sílabas<br />
de plástico, que era mais barato!<br />
<br />
*<br />
<br />
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,<br />
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,<br />
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,<br />
galo que cante a cores na minha prateleira,<br />
alvura arrendada para o meu devaneio,<br />
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.<br />
<br />
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,<br />
golpe até ao osso, fome sem entretém,<br />
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,<br />
rocim engraxado,<br />
feira cabisbaixa,<br />
meu remorso,<br />
meu remorso de todos nós . . . <br />
<br /><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Alexandre O’Neill</b></div>
<br />
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-50577109091181527922023-12-27T17:34:00.005+01:002023-12-27T17:34:57.111+01:00Nuno Júdice - Lusofonia <p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6NlNpMPS0zT2IoeXi2Ag89TTdXQoE6wtN90uB2pcoCre-ShcyLDU5_Z-M42rxUL66hQK8yBQiMf09FuLaHYNF7-t6UKnxt45CJ7AOugESCUu-XW5WYcaE-qa8jkltlkhukRtSDLjN4YtQas74TakBQ5EopfKCStGPg-D_vKqNvhnFt3fqmjNo_PMX8PnG/s720/5743479861_6cb18649ff_c.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="521" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6NlNpMPS0zT2IoeXi2Ag89TTdXQoE6wtN90uB2pcoCre-ShcyLDU5_Z-M42rxUL66hQK8yBQiMf09FuLaHYNF7-t6UKnxt45CJ7AOugESCUu-XW5WYcaE-qa8jkltlkhukRtSDLjN4YtQas74TakBQ5EopfKCStGPg-D_vKqNvhnFt3fqmjNo_PMX8PnG/w290-h400/5743479861_6cb18649ff_c.jpg" width="290" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;"><b>
LUSOFONIA</b>
<br /><br /><br />
rapariga: s.f., fem. de rapaz; mulher nova; moça; menina; (Brasil), meretriz.
<br /><br /><br />
Escrevo um poema sobre a rapariga que está sentada<br />
no café, em frente da chávena do café, enquanto<br />
alisa os cabelos com a mão. Mas não posso escrever este<br />
poema sobre essa rapariga porque, no brasil, a palavra<br />
rapariga não quer dizer o que ela diz em portugal. Então,<br />
terei de escrever a mulher nova do café, a jovem do café,<br />
a menina do café, para que a reputação da pobre rapariga<br />
que alisa os cabelos com a mão, num café de lisboa, não<br />
fique estragada para sempre quando este poema atravessar<br />
o atlântico para desembarcar no rio de Janeiro. E isto tudo<br />
sem pensar em áfrica, porque aí lá terei<br />
de escrever sobre a moça do café, para<br />
evitar o tom demasiado continental da rapariga, que é<br />
uma palavra que já me está a pôr com dores<br />
de cabeça até porque, no fundo, a única coisa que eu queria<br />
era escrever um poema sobre a rapariga<br />
do café. A solução, então, e mudar de café, e limitar-me a<br />
escrever um poema sobre aquele café onde nenhuma rapariga se<br />
pode sentar à mesa porque só servem cafés ao balcão.<br /><br /><b>
Nuno Júdice
</b><br /><br /><br /><i>
A Matéria do Poema</i>, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008
<br /><br /><br />
(“Ao telemóvel” - Rapariga sentada no café...
1ª edição do encontro “Desenhar Viseu” Lápis de grafite e pastel de óleo. -
José Carlos Carvalho - 11/02/2011)<br /><br /><br />
<br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-14972869323392123682023-12-18T00:10:00.001+01:002023-12-18T00:10:00.132+01:00Paulo Leminski - esquecimento<div style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOhobypZZfKTuparF_is9tSu88QKHpx17Uls9lXe2z-MS9ABoUBAxI6mSb__PsfUF1sgHm4Wy7WQzOqiwWttC0Qg4YdXhuB9kyW-9F5ZL3TN8QipYT_d6CgG_UhVT2g_yXWd1txVNJ8fyvECJ7opDyg1jpRzameypiSukOYeRGotTRvV_bgJDY3x9G9g/s800/Pedro%20Domingos.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="533" data-original-width="800" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOhobypZZfKTuparF_is9tSu88QKHpx17Uls9lXe2z-MS9ABoUBAxI6mSb__PsfUF1sgHm4Wy7WQzOqiwWttC0Qg4YdXhuB9kyW-9F5ZL3TN8QipYT_d6CgG_UhVT2g_yXWd1txVNJ8fyvECJ7opDyg1jpRzameypiSukOYeRGotTRvV_bgJDY3x9G9g/w400-h266/Pedro%20Domingos.jpg" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: center;"><br /></div>
<div style="text-align: justify;"><b><br /></b></div><div style="text-align: justify;"><b><br /></b></div><div style="text-align: justify;"><b><br /></b></div><div style="text-align: justify;"><b>
esquecimento</b>
<br /><br />
um dia sobre nós também<br />
vai cair o esquecimento<br />
como a chuva no telhado<br />
e sermos esquecidos<br />
será quase a felicidade<br /><br /><b>
Paulo Leminski</b><br /><br /><br /><br /><br />
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: justify;">(<span style="text-align: center;">Pedro Domingos - </span><i style="text-align: center;">A arte do esquecimento</i><span style="text-align: center;">, 2015)</span></div><br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-78836312746106998582023-12-10T00:15:00.001+01:002023-12-10T00:15:00.131+01:00Clarice Lispector - Um sopro de vida<div style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2vO9LwBSthIdRsYPWu3UWlrWJ-14feUBjtAeo0rF911cZEKyEcSzgQnNW0aUGF9Jlx2zNK4KmnV44nzNNu6JWBgGyWTwgGfZo6TmkyJgApZzrEtKp_XOwZ4qTK3g_APUN54MTVqW5T8fmQDyAknkIQm8w74lAZrys8foqnkOyqqP7suuUz6Gn5a9I9ZCE/s640/IMG_1384.png" imageanchor="1"><img border="0" data-original-height="472" data-original-width="640" height="295" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2vO9LwBSthIdRsYPWu3UWlrWJ-14feUBjtAeo0rF911cZEKyEcSzgQnNW0aUGF9Jlx2zNK4KmnV44nzNNu6JWBgGyWTwgGfZo6TmkyJgApZzrEtKp_XOwZ4qTK3g_APUN54MTVqW5T8fmQDyAknkIQm8w74lAZrys8foqnkOyqqP7suuUz6Gn5a9I9ZCE/w400-h295/IMG_1384.png" width="400" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><br /></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<b>Ângela</b><br />
<br />
Meu ideal seria pintar um quadro de um quadro.<br />
<br />
Vivo tão atribulada que não aperfeiçoei mais o que inventei em matéria de pintura. Ou pelo menos nunca ouvi falar desse modo de pintar: consiste em pegar uma tela de madeira – pinho de riga é a melhor – e prestar atenção às suas nervuras. De súbito, então, vem do subconsciente uma onda de criatividade e a gente se joga nas nervuras acompanhando-as um pouco – mas mantendo a liberdade. Fiz um quadro que saiu assim: um vigoroso cavalo com longa e vasta cabeleira loura no meio de estalactites de uma gruta. É um modo genérico de pintar. E, inclusive, não precisa saber pintar: qualquer pessoa, contanto que não seja inibida demais, pode seguir essa técnica de liberdade. E todos os mortais tem subconsciente. <br />
<br />
Você de repente não estranha de ser você?<br />
<br />
Eu não sou uma sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade.<br />
<br />
<br />
<b>Clarice Lispector</b><br />
<br /><br /><i>Um Sopro de Vida</i> (1970)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div>
<br />
(Pintura de Clarice Lispector)<br />
<br />
<br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-69655790433964186242023-12-04T00:00:00.009+01:002023-12-04T00:00:00.128+01:00Adélia Prado - Bendito<div style="text-align: center;"><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/SBLL5UXnn9w?si=S4IykRjQdLmPzGgB" title="YouTube video player" width="560"></iframe><br /></div>
<br />
<br /><br />
<div style="text-align: justify;">
<b>BENDITO</b>
<br />
<br />
Louvados sejas Deus meu Senhor,<br />
porque o meu coração está cortado a lâmina,<br />
mas sorrio no espelho ao que,<br />
à revelia de tudo, se promete.<br />
Porque sou desgraçado<br />
como um homem tangido para a forca,<br />
mas me lembro de uma noite na roça,<br />
o luar nos legumes e um grilo,<br />
minha sombra na parede.<br />
Louvado sejas, porque eu quero pecar<br />
contra o afinal sítio aprazível dos mortos,<br />
violar as tumbas com o arranhão das unhas,<br />
mas vejo Tua cabeça pendida<br />
e escuto o galo cantar<br />
três vezes em meu socorro.<br />
Louvado sejas porque a vida é horrível,<br />
porque mais é o tempo que eu passo recolhendo despojos,<br />
– velho ao fim da guerra como uma cabra –<br />
mas limpo os olhos e o muco do meu nariz,<br />
por um canteiro de grama.<br />
Louvados sejas porque eu quero morrer,<br />
mas tenho medo e insisto em esperar o prometido.<br />
Uma vez, quando eu era menino, abri a porta de noite,<br />
a horta estava branca de luar<br />
e acreditei sem nenhum sofrimento.<br />
Louvado sejas! <br />
<br />
<b>Adélia Prado</b><br />
<br />
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-41491000534743708082023-11-30T23:30:00.000+01:002023-11-30T23:30:00.275+01:00Dois versos de Fernando Assis Pacheco<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkXtadDqgHQrIw38JQNqaMMCurpSfAikSe1B1i5ZfUYepShbBY7XpR8acJkXGT7eQgbw6D9OXTZTJJqZ1BOVLIjVRereqElFcp_eHAdKxwnHj5Y8SuZUybP4gG5iovjCdWB6tAmYRsypE79j0CgiXlEs1TvIl6_n9fS2Lp9pTFkLnMXkE_ctW3zJhjGjU1/s500/IMG_1015.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="444" data-original-width="500" height="355" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkXtadDqgHQrIw38JQNqaMMCurpSfAikSe1B1i5ZfUYepShbBY7XpR8acJkXGT7eQgbw6D9OXTZTJJqZ1BOVLIjVRereqElFcp_eHAdKxwnHj5Y8SuZUybP4gG5iovjCdWB6tAmYRsypE79j0CgiXlEs1TvIl6_n9fS2Lp9pTFkLnMXkE_ctW3zJhjGjU1/w400-h355/IMG_1015.jpeg" width="400" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;">Também morreu um 30 de novembro, no ano 1995, <b>Fernando Assis Pacheco</b>. Do seu poema “Monsenhor, passeando de bicicleta”, em <i>Respiração Assistida</i> (Assírio & Alvim, 2003), estes dois versos:<br /><br /><br />ó lameiro do coração <br />como endureces!
<br /><br /><br /><br /><br />
<br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-83175340722281956402023-11-30T00:00:00.005+01:002023-11-30T00:00:00.142+01:00Fernando Pessoa - Ó sino da minha aldeia<br />
<div style="text-align: justify;">
Ó sino da minha aldeia,<br />
Dolente na tarde calma,<br />
Cada tua badalada<br />
Soa dentro da minha alma.<br />
<br />
E é tão lento o teu soar,<br />
Tão como triste da vida,<br />
Que já a primeira pancada<br />
Tem o som de repetida.<br />
<br />
Por mais que me tanjas perto<br />
Quando passo, sempre errante,<br />
És para mim como um sonho.<br />
Soas-me na alma distante.<br />
<br />
A cada pancada tua<br />
Vibrante no céu aberto,<br />
Sinto mais longe o passado,<br />
Sinto a saudade mais perto.<br />
<br />
s. d.<br />
<br />
<b>Fernando Pessoa</b><br />
<br />
<br /><br />
<i>Poesias</i>. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).
- 93. 1ª publ. in <i>Renascença</i>. Lisboa: Fev. 1924.
</div>
<br />
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-16720690591420216142023-11-27T00:30:00.001+01:002023-11-27T00:30:00.140+01:00Jorge de Lima - “Estão aqui as pobres coisas…”<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm1ZbGYPH0eH189bhNfpibL7ZrQpNZ11M1hQKBEZrDK2dZOPG-K_PhUvk2yMQohWk0oqDBsYBD9tY92IWDSPSOEKF2V80VyKK-RbHN0wMD0Hbw4JcTNLnR1k75bXpMb-cW50YyTbQ_SiIsLURCxilNZeo6c4IEcU7JHKJhAGoYjchEr99hSU18BTQG31mQ/s800/13947875352_c32e3ea8e6_c.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="545" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgm1ZbGYPH0eH189bhNfpibL7ZrQpNZ11M1hQKBEZrDK2dZOPG-K_PhUvk2yMQohWk0oqDBsYBD9tY92IWDSPSOEKF2V80VyKK-RbHN0wMD0Hbw4JcTNLnR1k75bXpMb-cW50YyTbQ_SiIsLURCxilNZeo6c4IEcU7JHKJhAGoYjchEr99hSU18BTQG31mQ/w273-h400/13947875352_c32e3ea8e6_c.jpg" width="273" /></a></div><div><br /></div><br /><p></p><p style="text-align: justify;">
Estão aqui as pobres coisas: cestas<br />
esfiapadas, botas carcomidas, bilhas<br />
arrebentadas, abas corroídas,<br />
com seus olhos virados para os que<br />
<br />
as deixaram sozinhas, desprezadas,<br />
esquecidas com outras coisas, sejam:<br />
búzios, conchas, madeiras de naufrágio,<br />
penas de ave e penas de caneta,<br />
<br />
e as outras pobres coisas, pobres sons,<br />
coitos findos, engulhos, dramas tristes,<br />
repetidos, monótonos, exaustos,<br />
<br />
visitados tão só pelo abandono,<br />
tão só pela fadiga em que essas ditas<br />
coisas goradas e órfãs se desgastam.<br /><br /><b>Jorge de Lima
</b><br /><br /><br /><br />
<br /></p><p style="text-align: justify;">(Fotografia de Julián del Nogal)</p><p style="text-align: justify;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-61844823791783982672023-11-23T00:15:00.001+01:002023-11-23T00:15:00.131+01:00Corsino Fortes - Pecado original<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiReJvQyrAyQhRNEleHfVVGAqyqAOPB2EMPhycq_FL1VPODrVsAqO95CZRejVj8nb4LqTMuG744VJ5qqBXe5m4l54D9hOXhV5-g0uArQojHp6-yLzuwFHl7Uwc1Ih7Ogc9hIVFfdF-Fn9CbPrxrvbo5BZnE-SQU6G3tydoHvnmoWLd0Vx2F77i1yDLOuOGz/s800/23160432642_3c24d5330b_c.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="532" data-original-width="800" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiReJvQyrAyQhRNEleHfVVGAqyqAOPB2EMPhycq_FL1VPODrVsAqO95CZRejVj8nb4LqTMuG744VJ5qqBXe5m4l54D9hOXhV5-g0uArQojHp6-yLzuwFHl7Uwc1Ih7Ogc9hIVFfdF-Fn9CbPrxrvbo5BZnE-SQU6G3tydoHvnmoWLd0Vx2F77i1yDLOuOGz/w400-h266/23160432642_3c24d5330b_c.jpg" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div>
<div style="text-align: justify;"><b><br /></b></div><div style="text-align: justify;">
<b>PECADO ORIGINAL
</b><br />
<br />
Passo pelos dias
<br />
E deixo-os negros
<br />
Mais negros
<br />
Do que a noute brumosa.
<br />
<br />
Olho para as coisas
<br />
E torno-as velhas
<br />
Tão velhas
<br />
A cair de carunchos.
<br />
<br />
Só charcos imundos
<br />
Atestam no solo
<br />
As pegadas do meu pisar
<br />
E fica sempre rubro vermelho
<br />
Todo o rio por onde me lavo.<br />
<br />
E não poder fugir
<br />
Não poder fugir nunca
<br />
A este destino
<br />
De dinamitar rochas
<br />
Dentro do peito...
<br />
<br />
<b>Corsino Fortes</b>
<br />
<br />
<br />
<br /></div><div style="text-align: justify;">(Fotografia de Harald Felgner, <i>Tarrafal, Santiago, Cabo Verde</i>)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div>
Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-26291665328139550182023-11-18T20:31:00.001+01:002023-11-18T20:31:48.767+01:00Maria Bethânia lê Manoel de Barros<div style="text-align: center;">
<iframe allow="autoplay; encrypted-media" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/lfT4CCG_nyM?rel=0" width="560"></iframe>
</div>
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
(Trecho extraído do DVD Língua de Brincar, direção Lúcia Castello Branco e Gabriel Sanna):<br />
<br />
<br />
Um monge descabelado me disse no caminho: “Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: digamos que a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo”. E o monge se calou descabelado.<br />
<br />
<b>Manoel de Barros</b> </div>
<br />
<br />
<br />
<br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-74068694002564805932023-11-16T12:00:00.001+01:002024-03-07T15:53:23.401+01:00Rui Knopfli - Invernal<div style="text-align: center;"><br style="text-align: left;" /><div class="separator" style="clear: both;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIst77F5VpCVHnbyGIFZg28jcAehpSXrlHpqBz3QAXuA88WcojpPzVh_03UYJLcYxgeTaarUgiGcfTQcuvDixnG2G0Y5RxuIM9e21ZsOCg2TOXiMASXJdIi4XYsFJpwwhldU4j2QHFmNMpTt_LXz5UQLac1qzEsyoOGumyVYGuCu5FrLvaFJNLui3REE8L/s800/32345565956_c2b04c3c59_c.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="641" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIst77F5VpCVHnbyGIFZg28jcAehpSXrlHpqBz3QAXuA88WcojpPzVh_03UYJLcYxgeTaarUgiGcfTQcuvDixnG2G0Y5RxuIM9e21ZsOCg2TOXiMASXJdIi4XYsFJpwwhldU4j2QHFmNMpTt_LXz5UQLac1qzEsyoOGumyVYGuCu5FrLvaFJNLui3REE8L/s320/32345565956_c2b04c3c59_c.jpg" width="256" /></a></div></div>
<div><br /></div><br />
<div style="text-align: justify;">
<b>INVERNAL</b><br />
<br />
Corre já um arrepio pela crista<br />
de Novembro. A imprevisível surpresa<br />
da luz de inverno é a sua agressiva<br />
doçura horizontal. Toma-se de frio<br />
<br />
o ombro esquerdo, a moinha persistente<br />
espreitando o coração cansado.<br />
Subo devagar o Mall e a luz<br />
fere-me os olhos frontalmente, filtrada,<br />
<br />
fina e branca, quase paralela ao solo, <br />
como em África nunca aconteceria.<br />
Perpendicular, fita-me de frente,<br />
rasante ao chão como se lhe pedisse<br />
<br />
que, por fim, me receba. Novembro,<br />
agora pressago, Novembro, agora<br />
sobre o ombro esquerdo, baixando,<br />
insidioso, sobre o lado dito fatal.<br />
<br />
<b>Rui</b><b> Knopfli</b></div><br /><div><br /></div><div><br /></div><div>(Fotografia de Tracey Tann)</div><div><br /></div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-9050214288421647329.post-67001631343934245632023-11-15T13:47:00.000+01:002023-11-15T13:47:06.221+01:00Ana Luísa Amaral - Sarça ardente<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://1.bp.blogspot.com/-AMd0m8MgNpw/WlJ7QqLNG6I/AAAAAAAAeuQ/37u5whfEi6w4Yj3r8f9RgXfAAN3P36_igCLcBGAs/s1600/Sar%25C3%25A7a-Ardente.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="431" data-original-width="751" height="229" src="https://1.bp.blogspot.com/-AMd0m8MgNpw/WlJ7QqLNG6I/AAAAAAAAeuQ/37u5whfEi6w4Yj3r8f9RgXfAAN3P36_igCLcBGAs/s400/Sar%25C3%25A7a-Ardente.jpg" width="400" /></a></div>
<br />
<br /><br />
<b>SARÇA ARDENTE
</b><br />
<br />
Um toque leve,<br />
e eu perder-me-ei<br />
- pelas planícies todas do azul,<br />
pelos campos mais longos<br />
que quiseres,<br />
em direcção a leste, a norte,<br />
a sul<br />
<br />
Um toque tão macio de rouxinol<br />
que a tortura se apague,<br />
um nome se incendeie<br />
junto ao chão<br />
e expluda com a tarde<br />
<br />
Desliza-me na pele<br />
o fio incandescente dos teus dedos,<br />
que eu entrarei de frente<br />
pelo sol,<br />
e arderei no sol,<br />
sem medo<br />
<br />
<b>Ana Luísa Amaral
</b><br />
<br />
<br />
<div style="text-align: justify;">
<br />
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com